CRÍTICA | O PASSAGEIRO DO FUTURO
Apesar de conceitualmente existir desde o Renascimento conforme alguns estudiosos, por incrível que pareça a expressão “realidade virtual”, hoje tão conectada e associada com tecnologia de ponta, surgiu primeiro no âmbito da dramaturgia, pela caneta visionária do francês Antonin Artaud, ainda em 1938. Apesar de expressões semelhantes terem se tornado populares nas décadas seguintes, notadamente nos anos 70, foi outra obra literária que primeiro a ligou com a ficção científica, em 1982, desta vez graças ao novelista australiano Damian Broderick. No mesmo ano, um dos mais famosos mundos virtuais da Sétima Arte foi retratado em Tron – Uma Odisseia Eletrônica, mas foi preciso mais uma década para o assunto realmente voltar à tona no audiovisual.
E a obra responsável por isso foi O Passageiro do Futuro (versão bobalhona do título original, vítima de modismos brasileiros “do Futuro” à época), baseado em conto de Stephen King. Aliás, baseado não, pois o nome de King não aparece (mais) em lugar algum da película, já que o romancista americano recusou-se a ter qualquer conexão com o filme, por julgá-lo muito diferente de seu texto, algo que chega a ser até engraçado considerando a quantidade de adaptações ainda mais distantes de sua bibliografia que ele endossa com vigor…
Seja como for, o filme dirigido e co-escrito por Brett Leonard, que nunca se firmou como criador de obras acima do conceito trash, ganhou à época muita atenção da mídia e do público justamente por sua temática “além de seu tempo”, uma grande novidade para o começo dos anos 90, ainda pré-internet como hoje a conhecemos. Nele, Jobe Smith (Jeff Fahey em um de seus poucos papeis como protagonista em sua longa carreira de coadjuvante), um cortador de grama com deficiência mental, é usado como cobaia de um experimento envolvendo realidade virtual e injeção de drogas com o objetivo de aumentar sua inteligência pelas mãos do cientista Lawrence Angelo (Pierce Brosnan três anos antes de viver o 5º James Bond em 007 Contra GoldenEye), que trabalha para uma organização que, como de praxe, quer transformar sua criação em uma arma.
Conceitualmente, apesar de simples e objetiva, a história é boa. Sua execução é que é apressada e falha em quase todos os quesitos. Fahey, que nunca despontou como um grande ator, é o melhor do elenco aqui, mas ele tem pouco tempo para trabalhar a transformação de seu simpático e prestativo Jobe (em português, Jó, o sofrido personagem bíblico) em um deus onisciente e onipresente que usa o mundo virtual como porta de entrada para um plano enlouquecido de dominação mundial. Tudo acontece rápida e artificialmente demais, sem que o diretor consiga nos oferecer elipses temporais eficientes e sem abrir espaço para Fahey fazer algo intermediário entre o “homem com problemas mentais” e o “vilão superpoderoso capaz de fazer sexo virtual”.
Comprovando
Comprovando que O Passageiro do Futuro ganhou um certo status de cult trash, o filme ganharia uma versão do diretor junto de seu lançamento em DVD e Laserdisc (ah, saudades do bolachão prateado!!!) com nada menos do que 30 minutos a mais. Em tese, toda a pressa que detectei como ponto negativo no roteiro que Brett Leonard co-escreveu com Gimel Everett seria resolvida, não é mesmo?
E a resposta é sim e não.
Sim, porque a fita ganha mais tempo especialmente para Fahey lidar com a “evolução” mental de seu personagem, mas o problema é que o preço disso é alto demais. Afinal de contas, não havia história ali para justificar 2h21′ de duração da película e a inserção de mais sequências de Jobe pré-vilanização e também do Dr. Angelo lidando com sua depressão acabaram fazendo com que o resultado final ficasse cansativo e repetitivo demais.
É a típica “versão estendida” feita para surfar na onda de um sucesso relativo e não por qualquer – por menor que fosse – necessidade artística. Teria sido melhor que as cenas extras tivessem sido utilizadas para permitir a remontagem quase completa do filme, o que talvez minimizasse boa parte de seus problemas. Afinal, quase nunca em Hollywood, mais é sinônimo de melhor.
O Passageiro do Futuro (The Lawnmower Man, Reino Unido/EUA/Japão – 1992)
Direção: Brett Leonard
Roteiro: Brett Leonard, Gimel Everett (inspirado em obra de Stephen King)
Elenco: Jeff Fahey, Pierce Brosnan, Jenny Wright, Mark Bringelson, Geoffrey Lewis, Jeremy Slate, Dean Norris, Colleen Coffey, Jim Landis, Troy Evans, Rosalee Mayeux, Austin O’Brien
Duração: 108 min. (versão do cinema), 141 min. (versão do diretor)
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