Alien Covenant é uma continuação de Prometheus, o que já diz tudo que você precisa saber sobre o novo filme da série do monstro espacial. Trocando em miúdos: traz respostas para perguntas que nunca ninguém se interessou em saber; coleciona uma equipe de exploradores sem a menor preocupação em lhes conferir personalidade; e deixa o anfitrião da coisa toda, o alien em si, encolhido num cantinho enquanto outros personagens comem bolo e dançam no salão. É uma decepção – mas uma decepção com pedigree, já que traz a assinatura de Ridley Scott. Covenant é, portanto, um filme lindíssimo, com produção de primeira, mas que tropeça em suas pretensões gigantes e nunca, em nenhum momento, diz a que veio. Do jeito que está é um greatest hits, uma mistureba com fragmentos do Alien de 1979 e também de Aliens, o Resgate, que James Cameron fez em 1986, embalando uma trama sobre colonos e inteligência artificial e engenharia genética.
O primeiro ato do filme é Scott em grande forma. A Covenant é uma gigantesca espaçonave-arca, transportando uma tripulação pequena e mais de dois mil humanos em animação suspensa até chegar em seu destino. Mas o trajeto para este novo paraíso é interrompido por um evento cósmico que deixa a nave avariada e mata alguns passageiros congelados e um de seus tripulantes (James Franco, numa ponta piscou-perdeu). Durante os reparos, eles interceptam uma mensagem de um mundo pertinho, que parece ter condições para sustentar vida humana – e toca todo mundo esquecer a missão e se mandar para um planeta desconhecido. O mistério se aprofunda quando alguns membros da equipe destacada para explorar este novo mundo e buscar a fonte da transmissão são contaminados por uma espécie de esporo alienígena. Não demora e eles se tornam hospedeiros de uma forma de vida aterrorizante – não o alien bonitão e icônico que conhecemos, mas para uma nova espécie, o neomorfo, que nasce em uma explosão de sangue e trata de isolar o time em terra dos poucos tripulantes ainda em órbita.
Nessa parte de Covenant, Scott é mestre. Ele manipula o medo alternando sustos rápidos com suspense que segue num crescendo. O que parece uma missão de exploração logo se torna uma luta pela sobrevivência. A equipe liderada por Billy Crudup e auxiliada por Katherine Waterston e Michael Fassbender – este um “sintético”, Walter, versão melhorada do David de Prometheus – descobre que o “paraíso” é ilusório. Os desastres, mortes e explosões escalam a situação rapidamente, e a sensação de isolamento é sufocante, dando uma pista de que Covenant vai trilhar pelo melhor caminho do Alien original e também de Aliens, com criaturas assassinas à solta e uma corrida contra o tempo, com Danny McBride, pilotando a espaçonave em órbita, tentando resgatar os sobreviventes. Seria um bom filme. Mas daí David (aquele de Prometheus, com Fassbender em papel duplo) aparece… e Alien Covenant desmonta.
É compreensível que Ridley Scott quisesse retornar à mitologia que ele mesmo criou em seu primeiro filme em “Hollywood”. Ele viu sua cria ser diluída ao longo dos anos em filmes cada vez mais problemáticos (ainda na série original, com Sigourney Weaver) para descambar em uma quase paródia com dois Alien vs. Predador. Prometheus, lançado em 2012, apontava um recomeço bacana, mesmo que nem Scott nem os engravatados do estúdio admitissem que era, de fato, um filme ligado a Alien. “Posso dizer que eles compartilham o mesmo DNA”, disse o diretor à época, esquivando-se da conexão entre os filmes. Bobagem. A ficção científica com Noomi Rapace, Charlize Theron e Michael Fassbender era um prequel claríssimo do clássico de 1979, mas a hesitação em assumir os pontos de ligação mais óbvios resultou num filme com problemas de personalidade, um “é, mas não é” que empurrava eventos e personagens frouxos que, no fim das contas, não faziam a menor diferença. Prometheus terminava com a cientista interpretada por Rapace e o andróide sociopata David (este em pedaços) partindo para o planeta natal dos “engenheiros”, raça que aparentemente criou a vida humana na Terra. Sono.
Vai entender o motivo de Scott escolher dar continuidade justamente a essa história – e de maneira tão equivocada. Quando David reaparece em Covenant, é um pouco como o Coronel Kurtz de Apocalypse Now: enlouquecido pela escala dos eventos que o cercam, isolado em sua própria insanidade. A velocidade com que o novo elenco confia em David impressiona tanto quanto sua ignorância (ou ingenuidade, a escolha é livre). Basicamente só falta a ele pendurar em sua fortaleza (existe uma relação tênue com o clímax de Prometheus, mas ela não faz sentido algum) um cartaz com a inscrição que enfeita as portas do inferno de Dante em A Divina Comédia: “Deixai toda a esperança, vós que entrais”. A coisa é tão absurda que, em certo momento, o andróide pirado chama um dos protagonistas para descer uma escadaria às escuras com um “Vem aqui, quero te mostrar uma coisa”. Um doce para quem adivinhar o que acontece em seguida.
Nesse ponto, Alien Covenant se transforma numa colagem dos melhores momentos que a série mostrou nestes quase quarenta anos. Existe o perigo à espreita em um lugar labiríntico, existe o confronto na espaçonave com explosões, maquinário pesado e expulsão do organismo invasor para a atmosfera, existe o cientista maluco brincando de Deus, maravilhado com sua cria… e existe uma equipe destroçada aos poucos por uma máquina de matar implacável. O que não existe é uma ideia original sequer. Explicar a “origem” do alien é um exercício preguiçoso e de execução duvidosa… O mais bacana de filmes de terror é fazer do monstro um gatilho para revelar o que move os personagens em torno dele, seus medos e motivações, suas virtudes e fraquezas. No caso de Alien, o Oitavo Passageiro, a criatura trouxe à tona o instinto de sobrevivência de uma protagonista memorável, a tenente Ripley, que ganhou status icônico nas mãos de Sigourney Weaver. O mistério em torno de sua gênese amplifica o senso de perigo – não sabemos o que diabos ele é! Buscar uma explicação é, no mínimo, castrar esse elemento.
Seria até compreensível um diretor novato, ou um cineasta sem visão, seguir esse caminho e encarar a série como um mero produto. Mas é inadmissível que um veterano da estatura de Ridley Scott se contente em regurgitar seu próprio passado de maneira tão canhestra. Alien Covenant não passa de um genérico, de diversão ligeira, que não honra sua própria história. É difícil entender o plano do diretor, até porque o novo filme é só uma peça em uma engrenagem mais ampla, que vai insistir em jogar luz na escuridão de onde os aliens surgiram – ele já anunciou que o roteiro do próximo filme está pronto, e a produção começa em pouco mais de um ano. O resquício de fé que sobrou na “franquia” (palavra horrível) foi pulverizado, e o interesse na obra do responsável por obras primas como Thelma & Louise e Gladiador com certeza está em outros filmes que ele ainda tem na manga. Blade Runner 2049 tem seu dedo como produtor executivo, mas é um alívio que esteja nas mãos de Denis Villeneuve, diretor com sangue nos olhos, genuinamente empolgado com o material, que pode trazer algo genuinamente novo. No caso de Alien, assumir o papel de mentor de um talento emergente talvez fosse o melhor caminho para Ridley Scott. Mas, assim como David, o robô do mal preso em uma obsessão, ele não vai largar o osso.
SOBRE O AUTOR
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
SOBRE O BLOG
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.
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