Desafio Infinito, a primeira saga verdadeiramente cósmica da Marvel (não conto as duas Guerras Secretas oitentistas como sendo “cósmicas”) foi um sucesso e até hoje é citada no cânone Marvel e adorada pelos leitores. Também pudera, escrita por Jim Starlin e desenhada por George Péreze com o desenvolvimento da premissa de que Thanos é apaixonado pela Morte e por ela está disposto a tudo fazer, a saga realmente é um ponto fora da curva em termos narrativos, ainda que tenha um meio recheado de enrolação.
Uma continuação, portanto, era inevitável. E ela não demorou a acontecer, vindo apenas um ano depois, sendo batizada de Guerra Infinita, a segunda parte do que viria a ser uma trilogia de sagas ou, melhor dizendo, a primeira trilogia de sagas “do infinito” de Starlin.
No entanto, entre uma saga e outra, muita coisa aconteceu. Ao fim de Desafio Infinito, a Manopla do Infinito com todas as joias do infinito (tem infinito pacas nessa frase, hein?) ficou com Adam Warlock, o enigmático, trágico e fascinante personagem messiânico criado na década de 60 por Stan Lee e Jack Kirby (ainda em forma embrionária) e que aparece sem nome também em Thor, em 1969, escrito por Roy Thomas e Gil Kane, realmente debutando com seu nome final em 1972, também por Thomas e Kane. Com isso, Warlock tornou-se literalmente uma figura de deus e ninguém ficou muito seguro de que ele usaria o poder para manter o equilíbrio no universo. Assim, em uma série de eventos posteriores a Desafio Infinito, Warlock é obrigado a separar as joias, entregando uma para cada componente de seu recém-formado super-grupo cósmico – ele mesmo, Drax, O Destruidor, Gamora, Pip e Serpente da Lua – chamado de Guarda do Infinito (Infinity Watch). O Tribunal Vivo determinara que as joias jamais poderiam funcionar juntas, tamanho o poder concentrado.
Estabelecida essa premissa, que é contada de maneira extremamente expositiva ao começo de Guerra Infinita, Jim Starlin começa sua história diretamente com Thanos saindo de sua “aposentadoria” em um planeta sem nome para o qual se auto-exilou ao final de Desafio Infinitopara viver como fazendeiro. O Titã Louco detecta alguma coisa de errada com o universo e trata de, ele próprio, investigar até que descobre uma enorme fortaleza espacial comandada por Magus, a versão sombria e corrompida de um futuro possível de Adam Warlock que havia sido criado em 1975 e destruído pelo próprio Warlock na segunda saga Vingadores vs. Thanos, juntamente com toda essa realidade alternativa futura.
Magus tem um plano, mas Starlin faz toda questão de manter o segredo. No entanto, diferente de Desafio Infinito em que víamos questões filosóficas (a morte versus a vida) e até psicológicas (as auto-sabotagens de Thanos) em Guerra Infinita, por mais que autor queira complicar e disfarçar, o conflito é, unicamente, o velho, repetitivo e cansado mal versus bem. E o pior é que Starlin acha que está iludindo o leitor, fazendo-o crer que está lendo algo complexo e bem pensado, unicamente porque usa muita explicação pseudo-científica. No entanto, tudo pode ser resumido a algo dolorosamente óbvio, que qualquer leitor de quadrinhos adivinhará na primeira página: Magus quer mesmo a Manopla do Infinito para tornar-se um deus. Pronto, só isso. O fato de Thanos não perceber esse esquema e nem os demais envolvidos na história é absolutamente patético.
E olha que tem muita gente envolvida nessa história. Thanos junta-se a Warlock e sua Guarda do Infinito em um grupo; Galactus e seu arauto Nova juntam-se com o Doutor Estranho e o Surfista Prateado; o Doutor Destino se junta com Kang e, finalmente, os heróis, digamos, comuns da Marvel se juntam em um grupo eclético que mistura membros dos Vingadores com dos X-Men, da Tropa Alfa e do Quarteto Fantástico. O problema é que, muito mais do que em Desafio Infinito, os heróis Marvel (Capitão América, Thor, Homem de Ferro, Senhor Fantástico e todos os outros) só estão lá para fazer número e muita figuração, pois eles não servem absolutamente para nada em toda a narrativa. Até mesmo Magus sabe disso e, quase que dando uma piscadela para nós leitores, diz que os heróis são inúteis e que têm como função única servir de distrações. Mas nem para isso eles servem, na verdade, e só existem na história para justificar a nomenclatura de “Saga Marvel” e para vender mais revistas. Se os heróis não cósmicos fossem retirados (com exceção do Doutor Estranho), eles não fariam a menor diferença para a fluidez da narrativa.
Aliás, minto: a ausência desses heróis teria tornado a narrativa, dividida em seis números de mais de 40 páginas cada, em algo muito mais fluido, econômico e dinâmico. Do jeito que ficou, uma palavra não parava de saltar à minha mente quando da releitura para elaboração da presente crítica: enrolação. É isso mesmo, por mais que pessoalmente goste do trabalho denso que Starlin é capaz de produzir (leiam Dreadstar, por exemplo), Guerra Infinita é como aquele blockbusterHollywoodiano: feito nas coxas, com efeitos especiais ruins, raso como um pires, mas que todo mundo sabe que fará rios de dinheiro em razão da “fama embutida” de seus personagens.
E é uma pena, pois toda a história, que usa os opostos, as metades para funcionar (lado bom e o lado mau, por exemplo), além de Warlock, conforme ele descobre, ser alguém que não tem nem seu lado mau, nem seu lado bom, poderia ter sido muito mais bem construída, não fosse a necessidade de se encher balões de fala com coisas do tipo “meu plano X, Y, Z é infalível”, “tudo está indo conforme planejado”, além de um dilúvio de explicações “tecnoboboas”. Starlin mostra claramente que já tinha perdido a mão aqui, algo que, infelizmente, continuaria na saga seguinte e mais a frente.
A arte de Ron Lim, com tintas de Al Milgrom, não chega ao nível da de George Pérez na primeira saga, mas, mesmo assim, enche os olhos. Ele trabalha com precisão a evolução dos quadros, além de conseguir distribuir muito bem as dezenas de heróis em um mesmo painel. Aliás, falando em painéis, Lim trabalha suas splash pages duplas (nas capas das edições originais também, vale dizer) com maestria, preenchendo os espaços com equilíbrio e muito dinamismo.
Guerra Infinita é mais uma continuação vítima do sucesso da primeira parte e a necessidade doentia que se tem em achar que toda “parte 2” precisa necessariamente ser maior e mais explosiva que a anterior. Com isso, os leitores perdem a chance de uma leitura satisfatória e enriquecedora e a editora perde em credibilidade. Uma pena.
Guerra Infinita (The Infinity War, EUA)
Roteiro: Jim Starlin
Arte: Ron Lim
Arte-final: Al Milgrom
Cores: Ian Loughlin, Max Scheele
Editora (nos EUA): Marvel Comics
Editora (no Brasil): Editora Abril
Lançamento (nos EUA): junho a novembro de 1992 (seis edições)
Lançamento (no Brasil): janeiro a fevereiro de 1996 (três edições)
Páginas: 246
Roteiro: Jim Starlin
Arte: Ron Lim
Arte-final: Al Milgrom
Cores: Ian Loughlin, Max Scheele
Editora (nos EUA): Marvel Comics
Editora (no Brasil): Editora Abril
Lançamento (nos EUA): junho a novembro de 1992 (seis edições)
Lançamento (no Brasil): janeiro a fevereiro de 1996 (três edições)
Páginas: 246
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