Em meio à esta época de transição, com a Disney lançando o próprio serviço de streaming e as séries da Marvel/Netflix tendo a sua relevância reavaliada, eis que a segunda temporada de O Justiceiro consegue, pelo menos, demonstrar que poderia perfeitamente seguir um caminho próprio, longe da confusão de universos compartilhados.
A série de Frank Castle (Jon Bernthal) conseguiu reacender a expectativa de um público que já estava ficando desacreditado com as séries da Marvel/Netflix. O personagem foi introduzido durante a segunda temporada de Demolidor, e a interpretação de Bernthal conquistou o afeto dos fãs sem muitos problemas. Ainda que tenha apresentado alguns pontos positivos, a primeira temporada de O Justiceiro, no entanto, não conseguiu revirar aquele que talvez seja o maior empecilho de todas as séries deste universo: Uma duração excessiva pouco substancial.
A segunda temporada chega ao Netflix com, novamente, treze episódios de quase uma hora de duração (além da fotografia escura que não só incomoda muitos espectadores, como passa longe de construir a atmosfera tenebrosa que parece almejar). E sem os benefícios de uma “história de origem” propriamente dita, esta segunda temporada precisava colocar o personagem em posições inusitadas que pudessem evoluí-lo, com uma trama que conquistasse a atenção de um público casual, ao mesmo tempo em que agradasse os fãs cativos, familiares com o material original.
Enxergo alguns problemas para ambas as empreitadas. Para um público casual, há muito o que se aproveitar, com certeza. As sequências de violência podem não ser tão frequentes quanto muitos gostariam, mas raramente deixam-se cair na redundância ou são executadas de forma entediante. Os personagens, por outro lado, são irregulares (para dizer o mínimo). Enquanto Frank Castle possui um arco moderadamente engajante para chamar de seu, os coadjuvantes desta temporada nem sempre podem aproveitar a mesma relevância, e ficam relegados à diálogos maçantes e construções pouco inspiradas.
Vou ecoar, novamente, a crítica mais frequente à estas séries da Marvel/Netflix. A trama desta segunda temporada de O Justiceiro não precisava ser estendida ao longo de treze episódios, e a “gordura” que compõe vários dos arcos de personagens coadjuvantes é evidente. Destaco aqui, dois casos mais gritantes: Primeiro, a Agente Madani e suas conversas com o detetive Mahoney, que não servem pra muita coisa além de manter viva, a pressão sentida pela personagem, que continua vendo seus ideais reformados e sua lealdade ao serviço, entrarem em conflito.
Billy Russo (Ben Barnes), por sua vez, também passou uma boa parte da temporada em sessões de terapia (oficiais e não-oficiais) com a doutora Krista Dumont, remoendo pensamentos repetitivos e tentando fazer sentido de suas memórias falhas e sentimentos confusos. Estas conversas possuem a função de desenvolver o psicológico perturbado do antagonista ao ponto de deixá-lo suscetível aos seus impulsos e frustrações, mas raramente conseguem envolver o espectador de uma forma que não pareçam estar, apenas, adiando esta prometida realização do personagem.
E se Russo deixará alguns espectadores casuais frustrados com sua falta de atividade, o que dizer do público cativo que abraçou as expectativas construídas pela primeira temporada, onde o personagem passou por uma eficiente história de origem para se tornar o famoso vilão Retalho (das HQs, e do filme de 2008, interpretado por Dominic West). O problema de sua construção (e eventual resolução) vai muito além da maquiagem simplista que impede o vilão de impor toda a intimidação pela qual é famoso. O que temos é uma extensão da tal história de origem, que nunca parece satisfeita em deixar o personagem assumir o seu posto inescrupuloso.
Claro, há de se notar a proposta da série, longe de qualquer influência de outras mídias ou da expectativa dos fãs. O antagonista teve um grande destaque nesta temporada, e seus dilemas foram colocados em evidência com frequência, em uma tentativa de manter o engajamento do espectador com os conflitos pessoais do personagem. Ainda assim, sua ameaça nunca chega a ser propriamente intimidadora, com a série apresentando alguns espaços equivocados para, até mesmo, um possível redenção do personagem em alguns determinados momentos. Não creio que esta fosse a intenção, e sim um mero equívoco de um roteiro que pensava estar criando um vilão identificável, acima de tudo.
E enquanto o Retalho está tentando decifrar o seu lugar no mundo, o sentimento de urgência e ameaça da trama fica por conta de John PIlgrim (Josh Stewart), um personagem cuja resiliência e capacidade são bem retratados pela temporada, que busca estabelecê-lo como um possível contraponto para o imparável protagonista. A estratégia funciona na medida do possível, e a temporada só não cai no tédio indiscutível por conta da caçada de Pilgrim, e da relação construída entre Frank Castle e sua nova “assistente”, Amy (Giorgia Whigham).
Se as aparições de Karen Page serviam para não deixar o espectador perder a conectividade com o lado “humano” do Justiceiro, Amy é a personagem responsável por escancarar este lado “sensível” e familiar do protagonista, proporcionando momentos ideais para que nós, espectadores, possamos torcer por este anti-herói, mesmo em meio aos seus métodos mais extremos. A relação dos dois evolui de forma cativante ao longo da temporada, e elevam a série muito além de qualquer tensão ou intriga gerada pelos ganchos fracos de alguns episódios.
Mas o maior destaque fica, sem dúvidas, para Jon Bernthal e sua interpretação digna de nota de um protagonista que não é tão facilmente gostável quanto vários outros anti-heróis (Ainda mais agora que o trauma da família assassinada foi ficando para trás). A maneira como o ator consegue transparecer a relutância do personagem, principalmente em cenas onde a fúria e a violência tomam conta, é de grande benefício para a série como um todo, sendo possível perceber como há uma transformação no estado e na expressão de Frank Castle em meio à ação.
Meu episódio favorito é, com certeza, o primeiro da temporada, onde vemos o protagonista aceitando uma possível nova realidade mais frágil, apenas para ter essa realidade revirada por conta de suas convicções e sua necessidade de agir, acima de tudo. Bernthal é o responsável pela eficiência deste começo, e caso O Justiceiro fosse cancelada por conta dos recentes movimentos na indústria, a sua saída deste papel seria uma baixa realmente lamentável.
A segunda temporada de O Justiceiro pode não colocar a série entre as melhores de seu gênero. Muito do que a série se propõe a fazer, era feito de forma mais impactante nas séries de Kurt Sutter (The Shield, Sons of Anarchy), por exemplo. Aprofundar os personagens apenas dando-lhes mais falas não é o suficiente. Ainda assim, a série demonstra ter plena capacidade de existir e prosperar, sem depender de qualquer ligação com o Universo Marvel em geral, ou mesmo de seu material original. Se resolvesse assumir ainda mais os aspectos mais excêntricos das histórias do Justiceiro, no entanto, duvido muito que alguém iria reclamar…
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