Impulse parece ser um dos golpes mais certeiros do YouTube Premium nas plataformas de streaming rivais, como Netflix e Hulu. Derivada do livro de Steven Gould, a produção tem 100% de aprovação de críticos e 89% da audiência no Rotten Tomatoes, importante termômetro de popularidade. Sob a chancela YouTube Originals, pode até perder a batalha de reviews para “Cobra Kai” – spin off de “Karatê Kid” que tem 95% de avaliações positivas de espectadores -, mas tem qualidades para não perder a “guerra”.
Criada por Jeffrey Lieber (cocriador de “Lost”), Impulse usa o teletransporte como premissa, mas é brilhante ao costurar este “superpoder” com “vilões” de qualquer adolescência, como orientação sexual, uso de drogas (recreativas ou nem tanto), relação com os pais, sexo e estupro. A produção evita o maniqueísmo e os estereótipos “do ensino médio” de bom, mau, nerd, liberal, esportista.
A começar por Henrietta Coles (Maddie Hasson) – a estudante de 16 anos que descobre que pode se teletransportar -, o roteiro entrega personagens desenvolvidos integralmente, complexos, o que faz da série um produto de atores mais do que de CGI ou de coreografias de luta. Nenhum dos integrantes do círculo da protagonista é apresentado apressadamente – de Jenna Hope (Sarah Desjardins) a Townes Linderman (Daniel Maslany) até Clay e Lucas Boone (Tanner Stine e Craig Arnold, respectivamente), eles têm subtramas coerentes.
Considerando se tratar de uma série em que o teletransporte é possível, Impulse explora o tempo muito mais do que o espaço. Como a fraca adaptação que levou aos cinemas em 2008 com o título de Jumper, Doug Liman (“A Identidade Bourne”) dirige o piloto com minutos frenéticos, uma cena de luta intercontinental e shaky-cam. Convém não deixar-se levar, entretanto. O tempo é mesmo a carta na manga.
Ditado no decorrer dos dez capítulos também por diretoras como Helen Shaver, Alex Kalymnios e Cherien Dabis, este ritmo alça a série a um patamar diferente de outras que exploram o estupro ou a tentativa dele – e dribla erros cometidos por predecessoras, como 13 Reasons Why (Netflix), principalmente na primeira temporada. Impulse vai além por aliar o impossível ao quase comum. A tentativa de abuso não é simplesmente jogada e esquecida. O pós-trauma e as ramificações dele representam uma linha de ação tão importante quanto sofrer uma convulsão e acordar em um lugar desconhecido.
Então, se o atrativo para quem quiser conferir Impulse for o livro de Gould, ou o filme de 2008, pode haver decepção. E talvez só assim mesmo. A autodescoberta de Henry a respeito do próprio poder (independentemente do teletransporte) é lenta, mas efetiva. A segunda temporada ainda não tem data de estreia, mas a julgar pelo burburinho que o anúncio causou na San Diego Comic Con, o YouTube deve aproveitar a “onda” de mais de oito milhões de views apenas do primeiro episódio.
Capítulo a capítulo, destaques da primeira temporada de Impulse
1/ “Pilot”
Henry está em Reston, cidade em que vive há 4 meses, desde que a mãe, Cleo (Missi Pyle), passou a morar com o namorado, Thomas (Matt Gordon). Enquanto o relacionamento de Henry com a mãe, o padrasto e a filha dele, Jenna, é descortinado, um comportamento abusivo sofrido pela garota é colocado sob os holofotes. Atleta mais famoso da cidade, Clay já convidou Henry para sair mais de 10 vezes. Normal? Talvez não. Assim como o fato do jogador de basquete esperar um “agradecimento especial” por tê-la ajudado a recuperar o próprio carro (colocado à venda pelo padrasto depois de uma das convulsões dela – que, aliás, também levam ao teletransporte).
2/ “State of Mind”
Jenna tenta convencer Henry a denunciar Clay, ou pelo menos contar o que o atleta fez, para Cleo. O complexo relacionamento de mãe e filha, que envolve ressentimento, mas muito amor, é bem explorado. Henry é pressionada pelo pai de Clay, Bill (David James Elliot), a apontar um culpado pelo que acredita ter sido um ataque de comparsas ao filho – o que acaba por acrescentará mais uma camada à violência sofrida pela garota. A relação entre Jenna e Henry também chega a um novo momento. É a ela que Henry confia sentimentos de medo e culpa por desejar que o agressor estivesse morto. Em uma das cenas mais tocantes de toda a temporada, a jovem cria um final diferente para o ataque que sofreu.
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3/ “Treading Water”
Ao saber que Clay recobrou a consciência, Henry tem ataque de pânico no banheiro da escola. O lugar fica destruído, a escola é evacuada, mas não antes de ela se teletransportar de volta ao próprio quarto. Townes, que usa a inteligência e a franqueza de modo peculiar (graças ao autismo), tenta, junto com Jenna, ajudar a colega de escola. Um dos protagonistas da briga no início do episódio de estreia, Dominick (Keon Alexander) ganha história de fundo: capaz de se teletransportar, ele tenta proteger a mulher e o filho de Nikolai (Callum Keith Rennie). A razão para a animosidade entre os dois ainda é um mistério.
4/“Vita/Mors”
É comum que adolescentes do sexo feminino sejam subestimadas. Aconteceu, por exemplo, com Éden (Sydney Sweeney), na segunda temporada de “The Handmaid’s Tale”. E com Jenna. A personagem popular é o oposto de Henry, mas elas estão longe de estar em polos opostos. Jenna já provou capaz de muita empatia – um dos motores da antiga amizade que mantinha com Townes. Em “Vita/Mors”, ela sente por Henry, por Cleo e pela própria mãe, que já perdeu. Um frescor ver reviravoltas assim. Um final dramático para Dominick e o filho revela uma espécie de “combo do horror” ligado ao poder de teletransporte.
5/”The Eagle and the Bee”
Filho de peixe… O ato de teletransportar-se é, afinal, genético. Henry pega o “bonde do teletransporte”, mais uma vez, para dentro de um armário empoeirado, em um lugar desconhecido. O episódio desafia fronteiras de certo e errado ao colocar a adolescente como “vilã” da idosa vivida por Lois Smith, que mora na casa. Para descobrir o que a leva para lá, a jovem engana e mente para a mulher. O endereço é afinal o último no qual morou, ainda criança, com a mãe e o pai, que a deixou depois de um aparente “surto” que mais parece ter sido um episódio de teletransporte. “Amigo” do passado, Josh (Amadeus Serafini) dará a mão à adolescente, enquanto a levará a confrontar o abuso de outra maneira.
6/”In Memoriam”
O episódio mostra de forma sensível, mas sem rodeios as diversas camadas da violação sofrida por Henry. Enquanto Jenna enfrenta um périplo na aceitação da própria orientação sexual, a amiga tenta superar o trauma nos braços de Josh – um personagem que é o contraponto de Clay e, portanto, um excelente exemplo de como um cara saudável pode se comportar em um relacionamento. E, mais uma vez, os roteiristas, capitaneados por Lauren LeFranc, tentam mostrar que não há “saída” simples de um trauma. A jovem confronta, pela primeira vez, o próprio algoz.
7/”He Said, She Said”
A vida não está tão fácil como já foi na casa dos Boone. Lucas, que sempre agiu como um bom irmão mais velho, começa a acreditar no desabafo de Henry, ao mesmo tempo em que é consumido pela culpa de ter sido “empurrado” pelo pai a cometer um assassinato. Clay se divide entre incômodo e negação após se confrontado por Henry. E recorre à ex, Patty (Genevieve Kang),como forma de alívio. Ao saber dela que nunca a forçou a nada, assume (erroneamente, claro) que Henry está mentindo. Se ele foi bom para uma como pode ter sido ruim para outra? Henry se aproxima da policial Anna Hulce (Enuka Okuma).
8/”Awakening”
Em um episódio extremamente emocionante, encontramos Henry em uma espécie, depois de revelar à mãe ter sofrido um abuso sexual. O fenômeno, desconhecido para a medicina, é uma forma quase lúdica de a adolescente revisitar a própria história, testemunhar o relacionamento que tinha com o próprio pai e entender, finalmente, a conexão que tinha com o armário empoeirado. Neste mundo onírico, Henry tem mais um encontro com Clay. Ao agir de forma parecida com a qual foi tratada por ele, a jovem começa a descobrir o próprio caminho. Henry acaba por provar a verdadeira amizade que nutre por Jenna.
9/”They Know Not What They Do”
“Os humilhados serão exaltados”, como reza a Bíblia, parece dar o tom do penúltimo episódio da primeira temporada. Após sucessivas tentativas de expor os esquemas criminosos de Bill, a policial Hulce consegue enfraquecê-lo. A lealdade de Jenna já não deveria surpreender, mas surpreende. Um diálogo entre as duas revela muito mais sobre o que Henry sente pela mãe do que os oito episódios anteriores.
10/”New Beginnings”
Palmas para Townes, que cumpre uma promessa feita para Henry com maestria. Agora com algum poder, Anna Hulce tenta dizimar a corrupção na polícia de Reston. Clay continua a fazer escolhas ruins, sem aprender nada com o que viveu. Lucas comprova ser realmente o mais vulnerável dos Boone, perante Cleo, que agora está determinada a abraçar cada vez a própria filha. Sem simpatia com Lucas. Mãe e filha conversam sobre o abuso. Henry chega até a ensaiar um mea culpa, mas Cleo, definitivamente, a coloca sob a “asa”. O título cumpre a promessa de um novo começo e, enfim, haverá algum alívio para a menina que consegue pular no espaço.
> KILLING EVE, eu entendi errado! feat. Carol Moreira!
A primeira temporada de 10 episódios está disponível no próprio YouTube e você pode assistir aos primeiros episódios gratuitamente. Impulse já está renovada para a segunda temporada e você pode assistir ao vídeo promocional divulgado durante a SDCC 2018 clicando aqui.
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