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CRÍTICA | SUPERMAN: HOMEM DO AMANHÃ

  

A DC Entertainment encerrou seu universo animado compartilhado focado essencialmente nos Novos 52 com o ótimo Liga da Justiça Sombria: Guerra de Apokolips e não perdeu tempo em iniciar outro, começando-o com seu maior super-herói, o Superman. Em Homem do Amanhã (Man of Tomorrow), temos uma história de começo de carreira do Homem de Aço, com ele ainda jovem em processo de compreensão de quem é e que papel tem no mundo, com o roteiro de Tim Sheridan (Reino do SupermanA Morte e o Retorno do Superman) amalgamando diversas situações que já foram abordadas antes nos quadrinhos em uma história nova e inédita razoavelmente coesa que usa a xenofobia como pano de fundo e que tem uma pegada decididamente mais leve e positiva, capturando o espírito clássico do personagem.

No lugar de começar do ponto usual, ou seja, Krypton, a história, depois de um brevíssimo prólogo do menino Clark que estabelece o subtexto da xenofobia e do sentimento de deslocamento do herói, já começa com Kent (Darren Criss, o Raymond Ainsley de Hollywood) como um jovem adulto em Metrópolis começando seu trabalho de estagiário no Planeta Diário servindo café para os repórteres em uma coletiva de imprensa de Lex Luthor (Zachary Quinto, o Spock da Linha Temporal Kelvin de Star Trek) no lançamento de um foguete em que Lois Lane (Alexandra Daddario, a Annabeth da franquia Percy Jackson) desmascara seus crimes diante do mundo. Nessa altura do campeonato, Clark já tem consciência e controle de seus poderes, agindo ocasionalmente para salvar a humanidade com um uniforme parecido com o do Rocketeer (mas com óculos de aviador no lugar de capacete) e plenamente consciente de sua origem alienígena, mas sem saber de qualquer detalhe.

Tudo muda quando ninguém menos do que Lobo (Ryan Hurst, o Opie de Sons of Anarchy) chega para caçar o último kryptoniano do nada – em uma ponta narrativa que fica completamente sem explicação, o que não deixa de ser incômodo e estranho – levando a Clark a se revelar com mais vigor, assim como ao constantemente disfarçado J’onn J’onzz, o Caçador de Marte (Ike Amadi, o único ator de voz profissional em papel de destaque), a ajudá-lo, também revelando sua existência no processo. Como se isso não bastasse, a pancadaria inicial leva à trágica origem do Parasita (Brett Dalton, o Grant Ward de Agents of S.H.I.E.L.D.) que, então, passa a ser a grande ameaça do restante da duração da fita.

A maior diferença em termos do que estamos acostumados a ver sobre o Superman nesta animação é que sua jornada de auto-descoberta não é solitária. Muito ao contrário, Clark Kent aprende sobre seu verdadeiro nome, seus pais e seu planeta natal do Caçador de Marte (ok, Lobo diz para ele que ele é kryptoniano, mas digo em uma ambiente menos contencioso, por assim dizer) que acessara sua mente na esperança de que ele fosse também um marciano. Essa estrutura de mentor e pupilo funciona, ainda que seja muito pouco utilizada na animação, sendo muito mais uma forma de tornar clara as visões de mundo bem diferentes dos dois personagens, com o kryptoniano querendo revelar-se de verdade ao mundo e o marciano querendo esconder-se por ter vivido um passado de extrema xenofobia.

E, como praticamente toda a história que envolve o Superman, a ameaça precisa ser gigantesca dado seu grau de poder, especialmente quando ele luta em dupla com o Caçador de Marte, igualmente poderoso. Com isso, o Parasita ganha, por assim dizer, uma versão kaiju extremamente poderosa e gigantesca que, apesar de inusitado, resulta em um final boss satisfatório se o espectador souber lidar com seu fim consideravelmente anticlimático, ainda que melancólico. As sequências de pancadaria são bem trabalhadas e dignas dos níveis de poder demonstrados, com a direção de Chris Palmer (em seu primeiro trabalho fora da série Voltron: O Defensor Lendário) realmente se sobressaindo nesses momentos.

Algumas coisas, porém, não se encaixam perfeitamente, com a já citada presença aleatória de Lobo na Terra, além da improvável aliança de Clark com Lex Luthor e, talvez mais improvável ainda, a aliança de Luthor com o próprio Lobo. É como se o roteiro quisesse abraçar muita coisa ao mesmo tempo como “começo de universo” sem realmente precisar, como por exemplo já criar um arqui-inimigo para o Superman ou constantemente dizer que Batman já existe. A temática da xenofobia já era combustível suficiente para uma boa história se ela ficasse resumida aos três alienígenas apresentados, além do kaiju saído diretamente de Círculo de Fogo, o que inclusive abriria espaço para desenvolvimentos mais cuidadosos, a ampliação da conexão entre Kal-El e J’onn J’onzz e uma melhor contextualização do czarniano mascador de charutos.

A qualidade da técnica de animação em si segue o padrão recente usual da DC Entertainment, o que não é uma boa notícia. Traços simples, segundo e terceiro planos vazios e com poucos detalhes, movimentação humana comum desajeitada e uma impressão geral de descaso, partindo da premissa que o público aceitará qualquer coisa simplesmente porque são os super-heróis da DC. É uma pena, na verdade, pois o começo de um novo universo animado seria o momento perfeito para espanar a preguiça e trazer algo visualmente imponente como o Superman merecia. Pelo menos a equipe criativa conseguiu criar visuais alternativos bacanas para Kal-El pré-uniforme (que é o com o calção por fora da calça, ainda bem), para o Caçador de Marte e também para o Parasita em suas diversas evoluções. Metrópolis ganha um banho de loja e se transforma em uma cidade futurista utópica repleta de arranha-céus brilhantes espalhados em intervalos regulares com planejamento urbano mais do que exemplar, ainda que, talvez, um tantinho artificial e alienígena demais. Fico até curioso para ver como será a Gotham City desse universo, pois um contraste grande demais será no mínimo estranho.

Por outro lado, os trabalhos de voz são sólidos, com Criss e Daddario fazendo uma excelente dupla Clark/Lois na versão jovem e Quinto oferecendo um Lex Luthor que é ameaçador e apaziguador em doses corretas. Amadi empresta sua voz imponente e profunda para o Caçador de Marte, resultando possivelmente no melhor trabalho da fita juntamente com o Lobo de Hurst, que acerta completamente o tom do esculhambado caçador de recompensas. Os efeitos sonoros nas lutas mantêm a costumeira alta qualidade, ainda que eles sejam tão ausentes nos momentos calmos quanto os detalhes de fundo.

Não vou negar que, apesar de seus problemas, Superman: Homem do Amanhã é uma história gostosa de se acompanhar e que estabelece um “Ano Zero” simpático para o Homem de Aço, também servindo como um bom pontapé inicial para mais uma leva de animações. Ainda gostaria muito de ver a DC fazendo algo diferente em termos de animação – como foi o caso de Batman Ninja -, mas não como exceção, e sim regra, para retirar seus longas daquele meio-termo visual repetitivo. Quem sabe um dia?

Superman: Homem do Amanhã (Superman: Man of Tomorrow, EUA – 23 de agosto de 2020)
Direção: Chris Palmer
Roteiro: Tim Sheridan
Elenco: Darren Criss, Zachary Quinto, Ike Amadi, Eugene Byrd, David Chen, Alexandra Daddario, Brett Dalton, Neil Flynn, Ryan Hurst, Cissy Jones, Piotr Michael, Cristina Milizia, April Stewart, Bellamy Young
Duração: 86 min.

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