Os X-Men são um dos grupos de heróis mais populares e conhecidos da Marvel. A primeira HQ da série foi publicada em setembro de 1963, apresentando apenas seis integrantes: Anjo, Fera, Ciclope, Homem de Gelo, Jean Grey e Professor X.
Desde então, uma série de adições e remoções foram feitas ao elenco e os mutantes enfrentaram inimigos das mais malucas origens e motivações, isso sem falar nas viagens temporais. É indiscutível o impacto que os X-Men tiveram ao longo dos anos, gerando histórias extras na forma de livros, séries de TV, filmes e jogos inspirados em seus personagens.
Diferentemente de outros super-heróis muito populares da Marvel, os X-Men sempre trouxeram temáticas mais humanizadas, provocando reflexões relevantes, que talvez estejam mais em voga do que nunca atualmente. Neste texto, vamos falar de tudo aquilo que torna os X-Men especiais, muito além de seus poderes fantásticos.

Pessoas normais com habilidades sobre-humanas

Muitos heróis são gênios, bilionários, playboys, filantropos, cientistas, habitantes de outros planetas, inteligências artificiais que adquirem corpos, cirurgiões renomados -- e tudo bem, isso pode. Mas um dos maiores apelos dos X-Men para parte de seu público foi o fato de, em sua maioria, serem pessoas comuns, com vidas normais e problemas de gente real.
Quando Stan Lee decidiu conceber os X-Men, a ideia era a de que os personagens não precisassem de uma explicação para ter poderes -- eles simplesmente nasceriam com habilidades especiais, características inerentes a eles, algo que não pode ser mudado. Há milhares de mutantes pelo mundo e são pessoas como eu e você, como qualquer outro, que apenas têm algo diferente do usual.
Isso faz com que seja mais fácil de se identificar, além de trazer os conflitos dos X-Men para muito mais perto da realidade do leitor, o que nos leva a todos os pontos subsequentes.

Descobrindo a si mesmo

A maior parte das habilidades mutantes se manifesta justamente na adolescência, o que podemos relacionar com a puberdade, momento em que começamos a entender quem somos e o corpo começa a mudar. Imagine que, passando por todos esses conflitos internos, você descobre que cospe fogo, por exemplo.
Como se já não bastassem as inseguranças dessa fase da vida, relacionadas a fatores físicos e psicológicos, imagine que agora também nem seus pais e amigos próximos o apoiem por descobrir que você solta fogo pela boca. Você continua sendo o mesmo que sempre foi por todos esses anos, mas esse fator agora, de repente, importa mais do que qualquer outra coisa. Com esse monte de peso sobre os ombros, tudo fica mais difícil.
Muitos dos X-Men passaram por essa situação ou algo análogo de alguma forma. Da mesma maneira, muitos jovens e adolescentes da vida real passaram por experiências semelhantes -- sem a parte de cuspir fogo, mas talvez com a aceitação de ser gay, bi, lésbica ou trans, que, como os mutantes, é um fator com o qual o indivíduo nasceu e que não pode ser alterado.
Essas relações nunca foram explícitas em X-Men, mas muitos fãs com certeza se identificavam e sentiam-se representados por este grupo de heróis, muitas vezes sem ter total noção disso. "Eu realmente gosto dos X-Men, mas não sei dizer exatamente o porquê".

Reflexos de problemas sociais

São inegáveis os paralelos que podemos traçar entre as história dos X-Men e problemas da vida real como racismo, segregação social e preconceito contra a comunidade LGBT e grupos de minorias. Inclusive, diversos personagens passam muito tempo escondendo que são mutantes, até sentirem que estão em um ambiente em que são aceitos. Soa familiar?
Diversos elementos que permeiam os X-Men podem ser relacionados com forças opressoras da vida real. Os Sentinelas e grupos anti-mutante, por exemplo, são análogos à Ku Klux Klan. Nos quadrinhos da década de 1980, os mutantes são isolados em uma ilha, como aconteceu com os negros no duradouro apartheid da África do Sul.
No filme X-Men 2 (2003), a mãe do Homem de Gelo diz "Você já tentou não ser mutante?", uma versão alternativa do típico "você já tentou não ser gay?". Para um exemplo mais recente, em X-Men: Primeira Classe (2011), o chefe da CIA pergunta ao Fera porque ele nunca tinha dito que era mutante, para o qual ele responde: "Você nunca perguntou, eu não disse", uma referência ao "Don't Ask, Don't Tell" do exército norte-americano, em que soldados não podiam ser abertamente gays, bis ou lésbicas, norma instituída em 1994 pelo então presidente Bill Clinton e vigente nos EUA até 2011.
O próprio Professor Xavier pode ser relacionado a Martin Luther King e Magneto ao militante Malcolm X -- o primeiro, em lutas pelos direitos sociais dos negros de maneira pacífica e o segundo, buscando o mesmo objetivo, mas por meios mais agressivos.
Mesmo que você não faça parte de uma dessas minorias, essas são temáticas humanizadas e realistas, que aproximam os personagens e seus conflitos a algo mais palpável.

A diversidade reina

Há milhares de mutantes no mundo e, naturalmente, muitos deles são de diferentes partes do planeta. Há personagens de origem africana, japonesa, chinesa, canadense, nativos norte-americanos, europeus do leste e oeste, latinos, árabes e até mesmo brasileiros (lembra do Mancha Solar?).
Além da diversidade étnica, há muitos membros dos X-Men que são adeptos e praticantes de religiões distintas, e todos convivem e se entendem sem conflitos. Noturno é católico, a mutante Pó é muçulmana e usa véu, por exemplo. Temos também membros de diferentes sexualidades, como Mística, que é bissexual, Estrela Polar, que é gay e inclusive casou-se na edição 51 da revista Surpreendentes X-Men, trazendo o primeiro casamento de pessoas do mesmo sexo em HQs mainstream.
Com um elenco composto de pessoas de diferentes partes do mundo, cada qual com sua bagagem e repertório, todos os mutantes estão unidos sob uma única bandeira: a da aceitação. É claro que no meio de tudo isso eles enfrentam grandes vilões e há muita confusão, mas a mensagem, lá no fundo, é a da inclusão, e de que podemos viver em harmonia com nossas diferenças.

Juntos somos maiores

É importante frisar que os principais personagens que vemos em X-Men são apenas a linha de frente. Há milhares de mutantes em todo o mundo, que querem apenas seguir com suas vidas, e é por essas pessoas que o grupo de Xavier luta -- pela proteção de todos os outros espalhados pelo planeta.
O que me faz voltar ao primeiro ponto, de que estamos tratando de pessoas normais com habilidades fora do comum, e não necessariamente poderes. Criar fogos de artifício com as mãos é uma habilidade peculiar, mas dificilmente pode ser usada ofensivamente. E mesmo que pudesse, não são todos os mutantes que querem enfrentar ameaças intergalácticas e não são todos que querem usar seus talentos para a violência.
Nos X-Men, não há disputa de ego ou de força, há apenas o trabalho pelo coletivo. A união é, talvez, uma das principais virtudes dos mutantes. No Instituto Xavier para Jovens Superdotados, esses adolescentes ganham espaço para serem quem são e recebem o auxílio dos mais velhos, que já passaram por esse período conturbado. Eles são aceitos, são reconhecidos, ganham oportunidade de viver em um ambiente sem preconceito, sem julgamento.
Em tempos de intolerância, de construção de muros para segregar e de violência desmedida, temos de lembrar que o gene mutante, que representa acima de tudo a tolerância, aceitação e compreensão, nada mais é que o próximo passo na evolução humana.

Matheus de Lucca é repórter no IGN Brasil e ama a Kitty Pride (Lockheed incluso). Você pode segui-lo no Twitte