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CRÍTICA | O QUESTÃO: AS MORTES DE VIC SAGE

  

Há muitas razões para ler O Questão: As Mortes de Vic Sage. A primeira e mais evidente delas é a equipe criativa, com Jeff Lemire no roteiro e ninguém menos do que a dupla Denys Cowan/Bill Sienkiewicz na arte mais uma vez. A segunda é o contexto, pois a minissérie em quatro edições que iniciou sua publicação em novembro de 2019, infelizmente tornou-se profética e atualíssima por lidar com políticos corruptos e silentes sobre o racismo e violência policial contra negros, um dos temas da história. Como se isso não bastasse, o grande Dennis O’Neil, responsável, dentre outros diversos feitos, por atualizar e consolidar O Questão na DC Comics depois que a editora comprou o personagem (e outros) da Charlton Comics, justamente fazendo parceria com Cowan, faleceu cinco dias antes da publicação da terceira edição, o que torna a graphic novel uma belíssima homenagem ao autor. Além disso, este é um dos poucos títulos do selo DC Black Label que não está inserido no universo do Batman (principalmente), Superman e Mulher-Maravilha e o primeiro a chegar ao fim (os demais são The Last God, uma história original e Strange Adventures, focada em Adam Strange, ambas com 12 edições e ainda sendo publicadas na data de publicação da presente crítica). E, finalmente, como se tudo acima não fosse suficiente, eis a principal razão: trata-se de um magnífico trabalho que merece toda a atenção.

Antes:
um pouco sobre o personagem

Os Questões do passado: (1) Victor Szasz e (2) Charlie Sage.

É possível que muita gente conecte O Questão apenas como sendo o personagem que deu base à criação de Rorschach, por Alan Moore, quando o autor revelou seus planos de usar os personagens da Charlton Comics, então recém-adquirida pela DC, como protagonistas de Watchmen, o que foi negado pela editora em razão do fim que seria dado a alguns deles, especial e justamente O Questão. É também possível que os leitores mais novos se lembrem que, na fase Novos 52, o manto – ou a máscara – do Questão chegou a ser passado a Renée Montoya, depois como entidade mística, e com uma versão até parte do Esquadrão Suicida, mas, em Renascimento, ele voltou a ser o que era em sua origem: um detetive particular que usa uma máscara feita de pseudo-derme que adere à sua pele com o uso de um gás especial que ele libera de seu cinto e que altera também a cor de seu cabelo e de sua roupa, cortesia de seu mentor Aristotle “Tot” Rodor.

No entanto, O Questão é mais interessante do que apenas isso já a partir de sua concepção por Steve Ditko, em 1967, como uma versão light, por assim dizer, de seu próprio Mr. A, do mesmo ano, conforme o autor mesmo já afirmou, de maneira a torná-lo aprovável pelo então em vigor Comics Code. O interessante no personagem original é que ele tem a mesma crença de seu criador, já que Ditko era adepto da filosofia objetivista desenvolvida pela autora Ayn Rand. O resultado é um personagem nobre, de moral intocável, mas binário, que apenas vê o certo e o errado, e carregado de paranoia e teorias da conspiração. Não é muito diferente da maioria dos super-heróis que vemos por aí, se formos pensar bem, mas a filosofia randiana esteve muito fortemente presente no começo da carreira do Questão nos quadrinhos como reflexo do que Ditko acreditava.

Dennis O’Neil, na segunda metade da década de 80, por seu turno, teve a missão de efetivamente incorporar O Questão no universo DC, o que ele fez com uma publicação solo do personagem em que ele construiu em cima do trabalho anterior de Ditko, transformando Vic Sage (a identidade secreta do herói) em mestre em artes marciais pelos ensinamentos de Richard Dragon depois que ele é quase morto por espancamento. Nessa versão, o personagem é um repórter investigativo que usa sua persona super-heroística para investigar, sem barreiras legais, a corrupção de Hub City, sua cidade natal. O diferente no Questão é que sua luta é política, de alto nível, apenas muito raramente lidando com “marginais normais”, tanto que uma de suas principais missões é colocar Myra Fermin como prefeita no lugar de seu marido bêbado e corrupto Wesley. O’Neil acrescenta mais camadas ao personagem, tornando-o menos violento, mas, ao mesmo tempo, alguém que se contorce pela vontade de usar a violência, de matar mesmo, além de retconar sua origem e revelar que seu nome verdadeiro é Charles Victor Szasz, mas não o Victor Szasz vilão do Batman, que fique claro.

Em seguida à fase O’Neil, apesar de participações aqui e ali na DC Comics, o Questão ganhou apenas uma minissérie, desta vez por Rick Veitch, que inseriu elementos alucinógenos no gás que Tot criara para permitir a aderência da máscara ao rosto de Vic Sage, criando uma história estranha de dupla personalidade. Depois disso, chega a confusa fase Novos 52 que mencionei mais acima.

Agora:
As Mortes de Vic Sage

O Questão do presente: (1) procurando e (2) encontrando.

Essa contextualização toda é necessária porque o Questão não é lá um personagem muito conhecido mesmo para os leitores de HQ e também – e principalmente – porque Jeff Lemire bebe de fontes variadas na minissérie As Mortes de Vic Sage, procurando consolidar o personagem no processo, e tentando responder à pergunta: quem é o Questão? No entanto, apesar de a contextualização ser interessante para fins de compreensão maior do que Lemire quis fazer, ela não é exatamente essencial para que eventual novo leitor compreenda a história. A busca por auto-conhecimento é um artifício narrativo clássico e o contexto sócio político em que o roteirista insere o personagem é infelizmente muito familiar, pelo que os encaixes são feitos naturalmente, sem grandes esforços. Mas é lógico que, para realmente extrair as referências e as homenagens que Lemire faz, o conhecimento prévio do Questão faz-se necessário.

E não se enganem: apesar de usar elementos conhecidos da literatura e dos quadrinhos, a história é complexa e cheia de perguntas que não são respondidas com facilidade, se é que são. De certa maneira – mas só mesmo de certa maneira – ela lembra a abordagem psicológica, espiritual e fantasmagórica de Batman: Amaldiçoado, de Brian Azzarello, com Lemire fazendo com que o protagonista encare não só ele mesmo, como também o mal encarnado. A narrativa começa de maneira bastante objetiva, com Vic Sage entrevistando Myra – agora irmã do prefeito Wesley – ao vivo na televisão e usando filmagens que ele obteve com O Questão para desnudar a amoralidade de um membro do círculo fechado de assessores da prefeitura. Esse é um dos alicerces realistas da história, com o outro sendo o já mencionado caso de violência policial que tira a vida de um homem negro sem defesa e que faz Hub City ferver, com protestos violentos por toda a parte e Wesley simplesmente permanecendo silente.

No entanto, essa panela de pressão ocorre justamente quando Sage, agindo como Questão, faz uma estranha descoberta no porão de um prédio: esqueletos ao redor de um buraco no solo de onde saem vozes, sendo que um deles usando uma máscara semelhante à sua, com um buraco de bala no meio da testa. Desnorteado, Sage sai em busca de aconselhamento por Tot, cuja abordagem mais direta não ajuda em nada e, em seguida, Richard Dragon, que leva o herói a uma viagem alucinógena por suas outras encarnações – outras realidades? – primeiro uma em que ele é o criminoso de guerra Victor Szasz no Velho Oeste em Hub County que salva um negro do linchamento, depois ele é Charlie Sage nos anos 40 como detetive particular tendo que lidar com uma trama sobre um sindicato corrupto e, finalmente, Vic Sage, de volta ao presente, mas não exatamente acordado.

A mera descrição acima já deixa evidente que Lemire trouxe “Os Questões” de Ditko, O’Neil, Veitch e dos Novos 52, abordando cada um deles em estilo diferente, respeitando seus autores e construindo um todo certamente lisérgico, mas surpreendentemente coeso se o leitor não estiver procurando por respostas objetivas a todas as perguntas que são feitas. O elemento cíclico das aventuras do vários Questões reina e gira em torno do encontro com o Mal encarnado, que pode ser interpretado como o próprio Diabo ou, pelo menos, um demônio. Mas será isso mesmo? Será que o “mal” não está simplesmente no coração do home, inclusive de Vic Sage? Será que há fim para o mal que o Homem é capaz de perpetrar.

A arte de Cowan no lápis com tinta de Sienkiewicz é fenomenal para estabelecer visualmente a sujeira da cidade e a corrupção do Homem. A pegada é mais realista do que o lindo trabalho de Lee Bermejo no citado Batman: Amaldiçoado, mas nem por isso menos valioso. As três versões de Hub City são cuidadosamente imaginadas para estabelecer continuidade, mas com traços característicos para cada período que emulam uma pegada mais Jonah Hex em Hub County, mais noir em Hub City dos anos 40 e mais “Gotham City” na Hub City moderna. Os três Questões são também tão iguais quanto diferentes, perfeitamente reconhecíveis em seus períodos, mas com figurinos que seguem as épocas, com suas contrapartidas sem “uniforme” também carregando diferenças, mas mantendo a linguagem visual. Chega a dar tristeza que a minissérie não é mais longa de maneira que cada Questão pudesse ganhar mais páginas para expandir as respectivas histórias.

Não sei se a minissérie inspirará a DC Comics a aproveitar mais esse potencialmente fascinante personagem na linha editorial normal da editora, mas Jeff Lemire sensacionalmente recria O Questão e o deixa preparado para novas aventuras. No mínimo espero que o selo DC Black Label tire um pouco o foco do Batman e companhia para desencavar tesouros como esse aqui. Há personagens demais esquecidos por aí que, nas mão certas, poderiam ganhar uma nova vida!

O Questão: As Mortes de Vic Sage (The Question: The Deaths of Vic Sage, EUA – 2019/20)
Contendo: The Question: The Deaths of Vic Sage #1 a 4
Roteiro: Jeff Lemire
Arte: Denys Cowan
Arte-final: Bill Sienkiewicz
Cores: Chris Sotomayor
Letreiramento: Willie Schubert
Editoria: Chris Conroy, Molly Mahan, Maggie Howell, Bob Harras
Editora original: DC Comics (DC Black Label)
Data original de publicação: 20 de novembro de 2019, 15 de janeiro, 16 de junho e 25 de agosto de 2020
Páginas: 200

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