- Há spoilers moderados.
sobre a percepção do tempo. Até mesmo nos casos mais escapistas, como os das franquias De Volta Para o Futuro e Exterminador do Futuro, o mote narrativo de alguma forma se relaciona a como o tempo modifica as circularidades dramáticas de seus personagens, por mais que esses casos tentem se entrelaçar também a dinâmicas “realistas” de funcionalidades temporais. Definitivamente, esse não é o caso de Em Algum Lugar do Passado, em que pouco importa a logística por trás da realização da viagem temporal, apenas se brinca com as suas possibilidades básicas no traçar da clássica jornada do “amor impossível”. Um amor de verão que pode ser observado sob as lentes concretas de um romance palatável, mas também pode ser enxergado como uma imensa alegoria ao recorte escolhido da contagem de história.
Christopher Reeve – o saudoso Superman clássico – vive um dramaturgo em declínio criativo, com o bônus de ter acabado recentemente o relacionamento. Ele decide viajar para buscar inspiração e acaba se deparando com o paradeiro de uma estranha senhora que 8 anos antes havia lhe dado um relógio e pedido para voltar para ela. O gatilho é dado, e Richard – nome do protagonista – começa a ficar obcecado em reencontrá-la, nem que precise descobrir um meio de viajar no tempo para isso. Eis que a premissa instaura esse meio através de uma auto-hipnose, em que a pessoa convence a própria mente a voltar no tempo que deseja, desde que não tenha nenhum objeto que a faça remeter ao presente. Sim, parece meio absurda essa ideia, e é de fato, por isso mesmo que funciona dentro da proposta de um romance sustentado à base de idealizações.
Para esse tipo de romance funcionar é preciso que seu universo seja correspondente, e nesse caso, a fantasia por trás da premissa já posiciona o espectador a pensar o romance sob um olhar mais alegórico, mas aí entra um dos problemas do filme, a direção de Jeannot Szwarc por vezes filma na intenção de manter a dúvida, mas só prejudica a ludicidade que a atmosfera precisa desenhar. Essa atmosfera é muito bem sobreposta pela melancólica trilha de John Barry que, junto do casting “escoteiro” de Reeve, forma um elemento ideal para transpor uma ideia de inocência ao desejo romântico primordialmente estabelecido por uma obsessão pessoal. É uma linha tênue que dentro do exercício de dúvida colocado pelo diretor – e algumas vezes pelo roteiro – acaba se perdendo, especialmente no personagem de Christopher Plummer, que faz misteriozinho sobre ter ou não o conhecimento situacional, o que porventura permite ao espectador uma teorização de interconexões que seriam colocadas de modo simbólico.
É por isso que o relógio é um elemento tão questionado na premissa. De onde ele surgiu? No exercício realista, por assim dizer, ele é um furo em toda a ladainha misteriosa sobre a possível aplicação de novas camadas de funcionalidade das regras da viagem que nunca chegam, mas no grosso, é somente um MacGuffin para pensar em todo o caráter psicanalítico envolvido na simbologia do romance. Como dito, para ele funcionar é preciso que se compre a idealização de algum modo, e essa compra vem do alegórico, pois o filme não planeja muito desenvolver seus pontapés para eles serem realmente apenas ferramentas no final de tudo. O fato de Richard ter acabado um relacionamento há pouco tempo e estar em crise criativa não é somente coincidente com o fato de seu amor platônico do passado ser uma renomada atriz. É possível pensar a viagem no tempo feita através do consciente do personagem como uma própria viagem ao seu consciente, idealizando a mulher que sempre quis ter e a quem sua namorada não correspondia, ao mesmo tempo em que idealizava a atriz perfeita para complementar sua peça que faltava algo.
Pensando desse modo, torna-se mais palpável comprar o fato de ele se apaixonar obsessivamente e tão rapidamente, assim como comprar a correspondência tão igualmente veloz de sua amada, sobre um teórico desconhecido de uma tarde ensolarada qualquer. Essa ideia se aplica à construção do romance em si, recheado de diálogos ultrarromantizados e teatrais que se correspondem e intensificam no aproveitamento do espaço cênico, da fotografia quente e embranquecida em tonalidade para dar uma ideia de sonho e pela questão temática que corresponde à artística da encenação. Ideia correspondida na última cena, que fecha o raciocínio alegórico e o direciona para vertentes até mesmo espirituais. Um raciocínio que no todo parece incompleto de preenchimento dramático, pois há diversos momentos de indecisão por parte da estética em assumir mais explicitamente seu caráter lúdico, de modo que a falta desse preenchimento em alguns setores de desenvolvimento de personagem não faça falta.
As pausas dramáticas conseguem ser precisas o suficiente para compensar essas faltas, há uma absorção intrigante do sentimentalismo em jogo do romance. A química de Reeve e Jane Seymour ajuda ainda mais nessa maturação por trás do processo de impacto da virada derradeira envolvendo a temporalidade, confirmando a sua irrelevância conceitual e caráter MacGuffin (o tempo = relógio) e promovendo o fim da idealização e o desamparo emocional. Para um determinado tipo de público que se relacionou em pessoalidade com a alegoria é de fato um momento deveras destruidor e emblemático, embora particularmente me soe conduzido com um pouco da mesma artificialidade de outros momentos, numa mão apelativa de pouca destreza do cineasta – não à toa, Jeannot não fez nada de relevante nem antes nem depois deste filme. De qualquer forma, é um romance classudo pela criatividade situacional em que é circunstanciado, pela química e por sair do clichê do final “felizes para sempre”.
Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time | EUA, 1980)
Direção: Jeannot Szwarc
Roteiro: Richard Matheson
Elenco: Christopher Reeve, Jane Seymour, Christopher Plummer, Teresa Wright, Bill Erwin, George Voskovec, Susan French, John Alvin, Eddra Gale, Audrey Bennett, William H. Macy, Laurence Coven, Susan Bugg, Christy Michaels, Ali Marie Matheson
Duração: 103 min.
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