Obs: Há potenciais spoilers das temporadas anteriores e também da quarta. Leiam as críticas das demais temporadas, aqui.
Como mencionei em minhas críticas anteriores da série, uma das mais marcantes características de Homeland é, sem dúvida alguma, sua capacidade de se reinventar. Sua premissa original, lidando com o agente duplo Brody, soldado americano achado como prisioneiro do talibã anos após seu desaparecimento, deixou de existir, em sua concepção primígena, logo na segunda temporada, que abriu espaço para abordagem mais ampla e completa dos dois lados do conflito. Ao final da terceira temporada, com a efetiva morte de Brody, artifício bem inserido que serviu para encerrar o ciclo do personagem, considerei a série como acabada.
Mas eis que veio a quarta temporada e fiquei ao mesmo tempo receoso e feliz. Receoso, pois a dinâmica entre Carrie e Brody era da essência da série e, a não ser que inventassem uma absurda e implausível sobrevivência do personagem enforcado em praça pública (e o momento em que ele “aparece” nesta temporada quase me fez infartar), achava que as modificações estruturais teriam que ser grandes demais para permitir a continuidade da história. Feliz, pois Homeland provou-se como uma série cheia de surpresas e pela sensacional Claire Danes já ter provado, com sua atuação, ser capaz de carregar o material nas costas. Portanto, a sorte estava lançada.
Quando a temporada começa, vários meses já se passaram desdes os acontecimentos da anterior. Carrie já teve sua filha, mas ela se encontra distante, mais precisamente em Kabul, no Afeganistão, como chefe de uma base da CIA. Com base em informação de Sandy Bachman (Corey Stoll), chefe da base da CIA em Islamad, no Paquistão, ela autoriza um bombardeio por drone para matar Haissam Haqqani (Numan Acar). A missão é aparentemente bem-sucedida, mas o efeito colateral é a morte de dezenas de inocentes, já que o terrorista estava em uma festa de casamento. Assim como as ondas formadas por uma pedra jogada em um lago, essa operação passa a desencadear todos os acontecimentos da temporada, com reviravoltas, traições e ataques terroristas diretamente contra a Embaixada Americana no Paquistão. Além disso, os roteiros focam no intenso e complexo jogo político entre os países envolvidos, em uma quase frustrante demonstração de que o mundo não tem salvação mesmo.
No entanto, a temporada demora a achar terreno sólido para fincar sua bandeira. Em sua primeira metade, os roteiros tendem a lidar, de maneira mais dispersa, com a vida privada de Carrie e também a de seu mentor Saul Berenson, que agora trabalha na iniciativa privada. Além disso, há muito foco no único sobrevivente do ataque do drone, Aayan Ibrahim (Suraj Sharma) estudante paquistanês e sobrinho de Haqqani e também no perturbado Peter Quinn (Rupert Friend), agente de campo da CIA que ganha grande destaque na temporada, de certa forma fazendo a vez do que a figura masculina de Brody representava. Apesar do intrincado jogo político que é naturalmente interessante para quem gosta, o fato é que faltou coesão nesse início, sem que a temporada realmente mostrasse a que veio.
Apenas depois das reviravoltas no meio da temporada – a captura de Saul e o assassinato de Aayan por seu tio – é que a narrativa ganha coesão e propósito, com uma mescla eficiente de tensão, ação e entraves políticos, com boas doses de traições dos dois lados. É nesse ponto que novamente vemos Claire Danes no ápice de sua forma fazendo uma Carrie segura de si exteriormente, mas cheia de dúvidas e problemas em sua mente fragilizada pela bipolaridade. Aliás, o roteiro não se esquece de sua condição e aborda-a diretamente com um ataque direto a ela, cortesia de Dennis Boyd (Mark Moses), marido da embaixadora americana no Paquistão. Sua transformação ao longo de apenas um episódio é, na falta de adjetivo melhor, assustadora. Mas a bipolaridade de Carrie não é o foco aqui, apenas um artifício muito bem utilizado, já que a temporada carrega nas cores políticas, trazendo assuntos urgentes e contemporâneos.
Infelizmente, além do começo inseguro, a temporada tem um desfecho fraco no episódio Long Time Coming em que Carrie, de volta aos EUA depois do falecimento de seu pai, “arruma a casa” em relação à sua irmã (Amy Hargreaves), filha e mãe (Victoria Clark), que surge do nada. Os problemas do episódio são múltiplos e todos eles originados da necessidade de se resolver toda a vida particular de Carrie de uma vez só em 50 minutos. Como ela estava distante, isso não foi possível ao longo da temporada, mas o roteiro de Meredith Stiehm é inábil ao introduzir novos assuntos (a já mencionada mãe de Carrie) e de criar, em última análise, um gigantesco dénouement para a temporada, quebrando completamente o ritmo estabelecido nos episódios imediatamente anteriores.
A quarta temporada de Homeland continua a tendência que a série tem de se renovar, mas, pela primeira vez, é possível sentir a fadiga da narrativa. É uma temporada que se perde no começo e, quando se acha, vai em um crescendo lógico, mas que acaba desapontando ao final. Claire Danes continua brilhando em seu papel, claro, assim como Mandy Patinkin como Saul, o que já dá retorno ao tempo investido, mas talvez seja momento de repensar a série como um todo.
Homeland – 4ª Temporada (Idem, EUA – 2014)
Showrunners: Howard Gordon, Alex Gansa (baseado em série israelista criada por Gideon Raff)
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Claire Danes, Rupert Friend, Nazanin Boniadi, Laila Robins, Tracy Letts, Mandy Patinkin, Nimrat Kaur, Michael O’Keefe, Numan Acar, Raza Jaffrey, Mark Moses, Maury Sterling, F. Murray Abraham, Amy Hargreaves, Sarita Choudhury, Shavani Seth, , Suraj Sharma, Damian Lewis, Corey Stoll, Victoria Clark
Duração: 585 min.