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The Byrds: Conheça a Vida e Obra de uma das mais influentes bandas de rock
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
A história do rock mostra que nem sempre ser o número 1 é o melhor. Embora chegar ao topo das paradas possa render fama e fortuna imediata, tal condição nem sempre é longeva, ao contrário do que pode ser a influência de um artista sobre aqueles que vieram depois. O legado é algo que fica. E o rock dos anos 1960 criou um mercado tão grande que foi permitido que existisse todo um movimento de rock para além do Top 10 que gerou grupos que, apesar de desconhecidos ou ignorados pelo grande público, terminaram por deixar uma marca duradoura na história da música e nos artistas que os seguiram.
Este definitivamente é o caso de The Byrds.
Se você não é um grande fã do rock clássico talvez nunca tenha ouvido falar deles. Mas veja, esta é a banda responsável por criar um dos mais importantes subgêneros do rock, o folk rock, tendo papel crucial na criação de mais um, o rock psicodélico, e sendo o grande difusor de mais outro, o country rock. Não, eles não estavam seguindo moda. Estavam criando moda! Esta é a banda que trocou sonoridades com Beatles, Rolling Stones e Jimi Hendrix; que fez a trilha sonora para o filme Easy Rider – Sem Destino; que influenciou de maneira determinante bandas como The Band, R.E.M., The Eagles, The Allman Brothers Band, Lynyrd Skynyrd; que abriu as portas para Neil Young e grupos como Crosby, Stills, Nash & Young; e como se tudo isso não fosse o bastante, foram os responsáveis por Bob Dylan deixar de ser um cantor folk para virar uma estrela do rock.
Se já conhece e quer lembrar, se conhece só um pouco e quer aprofundar ou se não sabe nada e quer saber, pegue sua guitarra Rickenbaker de 12 cordas e embarque nessa aventura pela quinta dimensão à 10 quilômetros de altura, seguindo o cara do pandeiro pela estrada tranquila rumo a se tornar uma estrela do rock and roll.
Os The Byrds criaram o folk rock. Foram músicos criados na cena folk da California (não tão forte ou famosa quanto aquela de Nova York, que gerou Joan Baez e Bob Dylan), mas que se apaixonaram pela música dos Beatles, quando o quarteto de Liverpool liderou a Invasão Britânica no início de 1964. Ao combinar as letras críticas e existencialistas da tradição folk com a sonoridade enérgica de rock, os Byrds criaram um som único que é a base da maior parte do rock mais calmo criado desde então.
TUDO O QUE EU QUERO DE VERDADE
Tudo começou no início do ano de 1964, quando os cantores folk Gene Clark e Jim (mais tarde Roger) McGuinn se conheceram no Troubador Club, onde se apresentavam. O que os uniu foi o fato de ambos serem grandes fãs dos Beatles. Clark e McGuinn começaram a se apresentar em dueto, com violões, gaita e interpretando canções dos Beatles em estilo folk e, ao mesmo tempo, transformando algumas das velhas canções folk em uma roupagem beatle; juntamente com algumas composições próprias. Certo dia, o duo estava ensaiando embaixo da escada e David Crosby os viu e começou a cantar com eles, sem conhecê-los. A combinação das vozes dos três foi incrível! A partir daí, passaram a se apresentar como um trio, chamado Jet Set, porque McGuinn era fascinado por aviação.
Os três já tinham considerável experiência musical nos clubes, apesar da pouca idade. Na época, a moda eram os coletivos de música folk, com duplas, trios ou quartetos e era daí que vinham: Gene Clark do The New Christy Minstrel; Crosby do Les Baxter’s Balladeers; e McGuinn do The Limeliters e do The Chad Mitchell Trio. Além disso, McGuinn também teve uma temporada no Brill Building, em Nova York, o centro de produção de música pop daqueles tempos, trabalhando como compositor de encomenda para o teen-idol Bobby Darin.
O trio conseguiu ensaiar e gravar algumas demos no World’s Pacific Studios, em Los Angeles, o que os levou a conseguir um contrato de um single com a Elektra Records (gravadora independente que ficaria famosa por revelar o The Doors): o compacto com Please let me love you e Don’t belong (duas composições da dupla Clark-McGuinn) foi lançado em outubro de 1964, mas a gravadora os convenceu a trocar de nome para The Beefeaders, porque soava mais britânico e parecido com Beatles. Essas canções (gravadas com o auxílio de Ray Pohlman no baixo e Earl Palmer na bateria, dois dos músicos “de elite” do circuito musical de L.A.) já tinham o germe da união entre folk e rock, mas não aconteceram nas paradas.
Ao mesmo tempo, o trio começou a evoluir para uma banda, convidando Michael Clarke (nenhum parentesco com Gene) para tocar bateria, embora o convite tenha vindo muito mais porque ele tinha uma aparência similar a de Brian Jones, dos Rolling Stones.
Claro, os futuros Byrds não criavam do nada. Apesar do movimento folk detestar a música pop em geral, achando-a não-autêntica, Bob Dylan gostava de rock, embora não se aventurasse no gênero. Contudo, a música de Dylan fazia tanto sucesso na Grã-Bretanha quanto nos EUA (ou até mais) e isso influenciou bastante o rock inglês. O grande hit The house of rising sun (uma velha canção tradicional sem autor conhecido) foi gravado como um rock pelos Animals, porque estava no primeiro álbum de Dylan. E os tão amados Beatles foram muito impactados pela música de Dylan, o que levou John Lennon a gravar dois números de folk rock (I’m a loser e I don’t want to spoil the party) no álbum Beatles For Sale, lançado em dezembro de 1964. O uso da guitarra de 12 cordas da Rickenbaker, iniciado por George Harrison no álbum anterior (A Hard Day’s Night, de junho de 1964) combinado ao violão Gibson Jumbo de Lennon criava uma atmosfera muito particular.
Em agosto de 1964, o empresário dos Jet Set/ Beefeaters, Jim Dickson, conseguiu uma cópia da gravação (então inédita) de Mr. tambourine man de Bob Dylan, pensando que seria uma ótima oportunidade para o grupo, que mudou o tempo da canção de 2/2 para 4/4 e deu uma roupagem rock que combinou perfeitamente. Quando a banda pensou ter finalizado o arranjo para a faixa, Dickson levou o próprio Dylan para ouvir a banda interpretá-la e o compositor gostou muito, ficando entusiasmado com o resultado. Esta foi a semente para Dylan começar a pensar que podia transformar sua própria música em rock, o que faria pouco depois.
Com a autoestima aumentada, a banda decidiu investir em instrumentos novos iguais aos dos Beatles: McGuinn passou a usar uma Rickenbaker de 12 cordas e Gene Clark uma Gretsh Tennesean, ambas modelos usados por George Harrison na banda. Crosby usava um violão Gibson e Clarke comprou um kit de bateria Ludwing, o mesmo modelo de Ringo Starr. Claro que faltava um baixista! Dickson convidou Chris Hillman, um tocador de mandolim que, ao contrário dos colegas, vinha do country e bluegrass, e não folk, e de San Francisco e não de L.A.
Com o quinteto formado e uma recomendação do jazzman Miles Davis, a banda conseguiu um contrato com a Columbia Records, a mesma gravadora de Dylan. Em comemoração, mudaram o nome para The Byrds, porque ainda evocava o tema do voo e soava britânico com a troca do “i” por “y” tal qual Beatles trocava o duplo “e” com a inclusão de um “a”. Outra mudança foi que, por algum motivo, Crosby assumiu a guitarra Gretsh, enquanto Clark passou a tocar apenas o pandeiro. Isso é curioso, pois Clark era um guitarrista mais habilidoso do que Crosby. Talvez, fosse uma maneira de compensar o fato de Clark ser aquele que compunha mais canções e dar um papel um pouco maior a Crosby. De qualquer modo, estava formado lineup original do grupo: Gene Clark (vocais e pandeiro), Jim McGuinn (vocais e guitarras), David Crosby (vocais e guitarra), Chris Hillman (baixo) e Michael Clarke (bateria). Porém, apesar dessa formação de palco, é importante frisar que Clark contribuía constantemente com guitarras e gaita nas gravações.
Os Byrds então consolidaram a grande marca de sua primeira fase, que era a combinação das vozes de Clark, McGuinn e Crosby. Clark tinha um vocal mais grave, cantado para dentro, num timbre que poderíamos chamar de “confortável de ouvir” e talvez fosse o melhor cantor do grupo; mas a gravadora parecia preferir a voz meio-grave de McGuinn, talvez porque seu timbre era ligeiramente similar ao de Bob Dylan; já Crosby tinha uma voz com duas impressões distintas, pois quando cantava em solo, podia imprimir um grau de agressividade que os outros dois não tinham, mas por outro lado, atingida notas muito agudas em seu falsete, de modo que contribuía para harmonizar a voz dos outros dois quando os três cantavam juntos, dando aquele tom cristalino típico dos Byrds: Clark e McGuinn cantando em uníssono e Crosby nas notas altas.
ENTÃO VOCÊ QUER SER UMA ESTRELA DO ROCK’N’ROLL?
Em janeiro de 1965, os Byrds entraram nos estúdios da Columbia, em Hollywood, para gravar seu primeiro single, com o produtor Terry Melcher. Infelizmente, no típico arranjo da indústria musical de Los Angeles, Melcher preferiu usar seus músicos de estúdio “de elite” para fazer o registro. Assim, apesar de copiar à risca o arranjo da banda para Mr. tambourine man, Melcher pôs outra banda para executá-la: Jerry Cole (guitarra), Larry Knechtell (baixo), Leon Russell (piano) e Hal Blaine (bateria). Jim McGuinn tocou a guitarra de 12 cordas principal apenas porque tinha reconhecida experiência em gravação de estúdio de seu tempo de Nova York. McGuinn, Clark e Crosby gravaram seus vocais em cima dessa base instrumental tanto naquela faixa quanto em I’d knew I want you (de autoria de Clark), que seria o Lado B. Embora esse seja um fato estranho para os dias de hoje e até condenável eticamente, esta era uma prática muito comum no mercado musical dos EUA: armados de músicos de estúdio de primeira linha, as gravadoras preferiam pôs estes nos discos, enquanto os membros “reais” das bandas apenas se apresentavam ao vivo. Grupos como Beach Boys e The Monkees também apenas gravavam suas vozes em suas obras.
Confiante no taco da banda, a Columbia conseguiu uma sequência de apresentações dos Byrds no Ciro’s Le Disc, a mais badalada das boates da Sunset Strip (a rua do agito em L.A.) naqueles tempos. Os concertos da banda foram um sucesso absoluto e viraram um fenômeno incrível, com hordas de jovens, proto-hippies, intelectuais e músicos fazendo filas quilométricas para entrar no clube. Ficou famosa uma noite de março na qual o próprio Bob Dylan subiu ao palco com os Byrds e eles tocaram Baby what you want me to do, uma composição do bluesman Jimmy Reed.
As apresentações também melhoraram a performance da banda, de modo que, quando iniciaram as gravações de seu primeiro álbum, em março, Terry Melcher dispensou os músicos de estúdio e os próprios Byrds passaram a tocar em suas músicas a partir de então. Quando Mr. tambourine man (o single) foi lançada em abril, claro, se tornou um fenômeno de vendas, atingindo o primeiro lugar das paradas dos EUA e também as do Reino Unido. Além da típica sonoridade da guitarra de 12 cordas, a forte impressão vocal da banda – com McGuinn e Clark cantando em uníssono e Crosby nas notas altas – produzindo um som cristalino e cheio de sentimento, geraram uma influência enorme. Não à toa, surgiram inúmeras bandas de folk rock da noite para o dia, como Lovin’ Spoonful; e artistas já existentes adotaram o som, como a dupla Sonny & Cher. Influenciado pelos Byrds, o produtor Tom Wilson pegou uma gravação acústica da dupla Simon & Garfunkel, cujo álbum fracassara no ano anterior, e colocou uma roupagem de instrumentos elétricos ao estilo dos Byrds em cima da gravação original, gerando o megahit The sound of silence.
E mais importante de tudo: influenciado pela leitura dos Byrds de sua própria música, Bob Dylan usou gravações elétricas em seu álbum Bring in it All Back Home, em 1965, e no mesmo ano, se eletrificou totalmente com Highway 61 Revisited, que insultou os tradicionais do folk, mas foi um grande sucesso, inclusive com o hit Like a rollin’ stone.
O primeiro álbum dos Byrds, também chamado Mr. Tambourine Man, foi lançado em junho e chegou ao 6º e 7º lugar das paradas dos EUA e da Inglaterra, respectivamente. O disco é um clássico dos anos 1960 e um dos melhores da banda. Além da faixa título, tem outras três composições de Bob Dylan: a já citada All I really want to do, Spanish Harlem incident e Chimes of freedom; e uma interpretação de material tipicamente folk em formato de rock, com The bells of rhymney (de Pete Seeger e Idris Davies), que ganha uma belíssima versão da banda. Mas também há material autoral, com I’ll feel a whole lot better, I’d knew I want it e Here without you (todas de autoria de Gene Clark) mais You won’t have to cry (de Gene Clark e Jim McGuinn).
À esta altura, a banda era um fenômeno de popularidade, ao ponto de nascer a expressão Reação Americana, como um tipo de “resposta” dos EUA à invasão dos Beatles e seus colegas britânicos. Além da música, a banda chamava a atenção por seu visual: o grupo usava roupas muito particulares, com jaquetas e colarinho alto, ao contrário da maioria dos grupos que ainda usavam ternos; enquanto Jim McGuinn usava um óculos de lentes azuis e armações quadradas e David Crosby uma manta de estilo medieval. Também eram interessantes pelo fato de nunca sorrirem nas fotos e terem áurea de banda “séria”.
Também naquele mês foi lançado o segundo compacto do grupo: All I really want to do, outra composição de Bob Dylan. Na verdade, os Byrds queriam lançar I’ll feel whole lot better, uma composição de Gene Clark que é de modo unânime aclamada pela crítica de hoje como uma das melhores canções de todo o repertório do grupo, mas a gravadora preferiu o caminho mais fácil e não deu certo: a música chegou apenas ao 40º lugar, embora tenha se saído melhor na Inglaterra, com o 4º lugar no Reino Unido.
HÁ DEZ QUILÔMETROS DE ALTURA!
Para capitanear o sucesso, a banda contratou Derek Taylor como publicitário, um jornalista que havia trabalhado para os Beatles no ano anterior (e voltaria depois). Usando seus contatos na Inglaterra, Taylor conseguiu uma turnê dos Byrds para o Reino Unido no mês de agosto. Houve uma grande promoção em torno da excursão e os próprios Beatles falaram bastante sobre como os Byrds eram “sua banda favorita dos EUA” e Taylor criou a frase “A resposta americana para os Beatles”, o que de algum modo irritou bastante a imprensa britânica. As grandes quantidades de maconha fumada pela banda, junto à sua falta de presença no palco, equipamento de som de baixa qualidade e a grande expectativa criada pela promoção resultou que a turnê foi um grande fiasco, com o grupo sendo massacrado pela imprensa. Este primeiro ponto baixo alterou bastante a dinâmica interna da banda, aumentando a tensão entre os membros. Pelo menos, os Byrds travaram amizade com a cena musical britânica, socializando com Beatles e Rolling Stones
De volta para casa, os Byrds foram trabalhar em novo material ao mesmo tempo em que os Beatles vinham aos EUA fazer mais outra turnê e os convidaram para passar alguns dias em sua casa alugada em Los Angeles (onde tomaram LSD juntos) e Paul McCartney e George Harrison visitaram os amigos nos estúdios da Columbia enquanto gravavam. Novamente, a Columbia queria que o grupo gravasse um cover de Dylan para seu terceiro single, com It’s all over now, baby blue, mas embora a canção tenha sido gravada e tocada nas rádios, o grupo conseguiu persuadir a gravadora a investir em Turn! Turn! Turn!, uma adaptação do Livro de Eclesiastes da Bíblia, musicada por Pete Seeger. A incrível performance da banda resultou em outro Nº 1 nas paradas quando lançada em outubro.
O compacto também batizou o segundo álbum dos Byrds, que foi novamente aclamado pela crítica e fez sucesso, chegando ao 17º lugar das paradas dos EUA e ao 11º do Reino Unido. Este disco ainda traz duas composições de Dylan (The times they are a-changin’ e a inédita Lay down you weary tune), mas investe muito mais no material original da banda, com novamente Gene Clark contribuindo com o melhor, em faixas como Set you free this time, The world turns all around her, If you’re gone e She’s don’t care about the time (lançada no Lado B do compacto de Turn! Turn! Turn!), e presente na maioria das coletâneas do grupo. Outra composição de Clark, The day walk (never before) ficou de fora do álbum e só seria lançada no Boxset dedicado ao grupo de 1990, desde então, também aclamada como uma das melhores gravações do conjunto. O álbum também traz It’s won’t be wrong (de Jim McGuinn e Harvey Gerst) e Wait and see (de McGuinn e David Crosby, com este recebendo seu primeiro crédito autoral).
Novamente, o som dos Byrds causou uma grande repercussão no mundo musical, influenciando bastante os roqueiros de então. Inclusive, o álbum dos Beatles Rubber Soul, também lançado em dezembro de 1965, trazia uma clara (e assumida) influência dos Byrds em faixas como Nowhere man (de John Lennon) e If I needed someone (de George Harrison), com esta última inclusive, se utilizando da guitarra de 12 cordas (cujo uso foi difundido por este músico) para emular o som da banda americana.
O CARA DO PANDEIRO
Apesar do sucesso, as relações dentro do grupo iam ficando cada vez mais tensas, nascendo um tipo de oposição entre os membros contra Gene Clark, porque suas composições o deixavam bem mais rico do que os outros. Também havia uma clara disputa de poder entre o empresário Jim Dickson e o produtor Terry Melcher pelo controle da banda. De qualquer modo, pouco após o lançamento daquele álbum, Melcher foi demitido e substituído na função por Allan Staton.
Ainda em dezembro, a composição original de Gene Clark, Eigh miles high (que trata sobre seu medo de voar e a traumática experiência na Inglaterra) ganhou um arranjo ousado por Jim McGuinn e David Crosby (o que levou os dois a ganharem créditos de co-autores) na qual incluem a influência do free jazz e da música indiana de Ravi Shankar que Crosby era grande apreciador, fazendo os Byrds contribuírem de modo decisivo para o nascimento do Acid rock e da psicodelia. A banda gravou a faixa nos estúdios da RCA em Hollywood, mas a Columbia se recusou a lançar uma canção que não fosse gravada em seu próprio estúdio, de modo que ela foi regravada em janeiro e lançada como single no fim de fevereiro de 1966.
Eigh miles high causou um grande impacto no circuito musical, pois o modo errático como a guitarra de McGuinn toca ao longo da faixa, imitando a música indiana, impressionou roqueiros ao longo do mundo, de modo que nasceu a expressão raga rock para explicar o novo som. A adesão a este som psicodélico seria reforçado naquele mesmo ano por álbuns como Pet Sounds dos Beach Boys, Aftermath dos Rolling Stones e Revolver dos Beatles.
O compacto tinha no Lado B Why, uma composição de Jim McGuinn e David Crosby, que mantinha o clima psicodélico, mas ambas as canções sofreram boicote de inúmeras rádios e lojas de discos, por causa do conteúdo de suas letras, associado ao uso de drogas. Isto deve ter ajudado na posição modesta do compacto nas paradas, chegando ao 14º e ao 24º lugar nos EUA e Reino Unido, respectivamente. Felizmente, isto não influenciou o impacto das faixas entre outros músicos importantes.
Praticamente junto com o lançamento do compacto, veio o anúncio de que Gene Clark estava saindo da banda. Além das tensões já citadas, Clark tinha pavor de voar, pois presenciara um acidente aéreo quando criança. Naquele mês de fevereiro, o compositor teve um ataque de pânico dentro do avião que levaria a banda de Nova York para a Califórnia e terminou por desembarcar. Em resultado, os outros membros (especialmente McGuinn e Crosby) decidiram que ele não poderia mais seguir com o grupo, pois a insistência em não voar era um grande empecilho à carreira. Clark seria contratado como artista solo pela Columbia e produziria um trabalho aclamado pela crítica, embora nunca popular. Seu envolvimento com a banda continuaria no futuro, no entanto.
A QUINTA DIMENSÃO
Sem Clark e mantendo uma intensa agenda de shows, os Byrds optaram por continuar como um quarteto, formato que teriam para dali adiante. Ao mesmo tempo, também iniciaram as gravações de seu terceiro álbum, agora bem mais calcado no material original de McGuinn e Crosby, enquanto o baixista Chris Hillman dava um passo à frente no palco, passando a também contribuir com as harmonias vocais. Hillman tinha um vocal bonito e grave, o que serviu para manter exatamente a mesma dinâmica que a banda já tinha.
O álbum Fifth Dimensionfoi lançado em junho de 1966 e abraçou por completo a sonoridade psicodélica sugerida por Eigh miles high, que está no disco. Com destaque as faixas escritas por Jim McGuinn, como 5D (Fifth dimension) e Mr. spaceman; que se tornaria duas das faixas mais conhecidas da banda; e à sensacional composição de David Crosby, What’s happening???; além de I see you, assinada por McGuinn-Crosby. Esta última, à exemplo daquela primeira, tem grande influência do free-jazz e um andamento bem diferente e a bela voz de Crosby no vocal principal. I see you seria alguns anos depois regravada pela banda de rock progressivo Yes em seu álbum de estreia. Também há a boa interpretação da tradicional John Riley e o cover de Hey Joe, canção lançada pela “banda de garagem” de Los Angeles, The Leaves, que é cantada por Crosby no arranjo mais pesado que a banda criara até ali. Esta composição virou célebre na cena musical de L.A. e seria também gravada por Jimi Hendrix em seu primeiro álbum, lançado no ano posterior. Apesar de demitido, Gene Clark ainda participa do álbum, cantando na faixa do compacto e tocando gaita em Captain soul.
A recepção ao álbum, porém, dessa vez não foi tão bem sucedida como os dois anteriores, com muitas reações negativas da imprensa. O boicote as suas principais faixas também prejudicou as vendagens, atingindo apenas a 24ª e a 27ª posição das paradas dos EUA e da Inglaterra. A partir dali, os Byrds sairiam do mainstream do rock dos anos 1960 e passariam a habitar o nascente mercado alternativo, com artistas que mantinham suas carreiras ativas apesar de estarem longe do topo das paradas. Ainda assim, a influência da banda continuaria a ser sentida na efervescente cena musical da Califórnia, em grupos como The Jefferson Airplane, The Grateful Dead e The Buffalo Springfield (que revelaria Stephen Stills e Neil Young).
Enquanto mantinham uma ativa e bem sucedida carreira de apresentações ao vivo, a banda entrou de novo em estúdio ainda antes do fim do ano de 1966 para gravar seu quarto álbum, dessa vez com o produtor Gary Usher, que incentivou ainda mais os músicos a buscarem experimentações.
O álbum Younger Than Yesterday saiu em fevereiro de 1967 e é um álbum emblemático na carreira da banda, listado pela crítica como um dos melhores. Apesar de sua capa sem graça, o disco traz uma grande coleção de faixas que exploram temáticas mais ousadas nas letras, ampliam ainda mais a produção autoral do grupo e enchem de psicodelismo os resquícios de sua musicalidade folk rock. Além disso, influenciados pelo baixista Chris Hillman, que passa a ter um papel maior na banda, revelando-se um compositor sensacional, começam a flertar com a country music, num direcionamento que teria grandes implicações em breve.
O álbum é uma grande copilação de grandes canções dos Byrds em sua fase “alternativa”, abrindo com a ácida e irônica So you want to be a rock and roll star? (McGuinn-Hillman), que critica as bandas “de laboratório” lançadas pela indústria fonográfica dos EUA, como The Monkees, que virou uma febre no ano anterior com um grupo de atores-cantores que imitavam os Beatles em uma série de TV e lançavam discos nas quais não tocavam. Esta faixa foi lançada em single um mês antes do álbum, e chegou a 29ª posição da Billboard, o que não é mal. Em seguida vem Have you seen her face? (Hillman), primeira composição solo do baixista a integrar um disco dos Byrds e também a primeira vez que ele faz o vocal principal. A faixa é animada e possuí um solo de guitarra que rompe com o padrão guitarra de 12 cordas pelo qual o grupo era famoso. Outro destaque é Renaissance fair (Crosby-McGuinn) bela canção de toque folk psicodélico. Time between (Hillman) flerta diretamente com o country e é uma das melhores canções do disco, com a voz do baixista agora ainda mais em destaque. Esta faixa também contou com a participação especial do guitarrista de estúdio Clarence White para dar os toques necessários à sonoridade country e seria alguém com grande envolvimento com a banda no futuro. O Lado A fechava com Everybody been burned (Crosyby) uma canção madura e emocionante, também lançada no Lado B do primeiro single do álbum.
Após Words and thoughs (Hillman) e Mind gardens (Crosby), o álbum encontra a canção de onde tirou seu título: My back pages (Bob Dylan), única faixa não-autoral do disco inteiro e que foi lançada como segundo compacto (com Renaissance fair no Lado B) e chegou ao 30º lugar das paradas, permanecendo nos dias de hoje como uma conhecida faixa do repertório da banda. A letra de Dylan fala sobre “ser mais jovem hoje do que ontem” e isso inspirou o título do álbum. O destaque final cabe a The girl with no name (Hillman), uma elaborada composição de toques country e de novo com participação de Clarence White.
Younger Than Yesterday foi aclamado pela crítica e chegou ao 24º lugar das paradas dos EUA e ao 37º do Reino Unido, ainda dentro do Top40 (o que é considerado sucesso pela indústria fonográfica), mas já demonstrando que os Byrds agora ocupavam outra faixa de mercado, menos voltada aos hitmakers (e muitas vezes mais interessante). Houve ainda um terceiro compacto para promover o disco: Have your seen her face?, com a inédita Don’t make wave (Hillman-McGuinn) no Lado B, e o interessante caso de um single com o novo compositor ocupando os dois lados; mas infelizmente, chegou apenas ao 74º lugar.
Enquanto faziam a promoção do novo disco, McGuinn aprofundou o envolvimento que tinha com a religião Subud, da Indonésia, e adotou o novo nome de Roger. Os praticantes dessa religião adotam novos nomes como símbolo do renascimento espiritual e dali em diante, o guitarrista passou a ser conhecido como Roger McGuinn, nome artístico que usa desde então.
Ainda em busca do sucesso perdido, os Byrds entraram de novo em estúdio e gravaram um novo single – que não apareceria em nenhum álbum – para tentar movimentar o mercado de verão: Lady friend era uma composição de David Crosby e tinha musicalidade bem elaborada, tendo Old John Robertson (Hillman-McGuinn) no Lado B. O compacto, no entanto, chegou apenas a posição 82 da Billboard.
Em contrapartida, em agosto de 1967, a Columbia lançou a coletânea The Byrds’ Greatest Hits que foi um grande sucesso, chegando ao 6º lugar das paradas e ganhando Disco de Ouro. Além de colocar a banda de novo nos holofotes – o que era ótimo para sua carreira de shows – serviu também para tornar mais conhecidas faixas recentes como So you want to be a rock’n’roll star e My back pages. O lançamento da coletânea parece ter mostrado que a banda ainda tinha potencial comercial a ser explorado, o que só aumentou a insatisfação com seu staff particular, de modo que foi encerrada a parceria com o empresário Jim Dickson e Larry Spector ocupou o seu lugar.
O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
Em meio a isso, os Byrds voltaram outra vez ao estúdio para produzir seu próximo álbum, mas as coisas andavam mal como nunca. David Crosby se tornou um ponto de tensão dentro do grupo. Por um lado, o guitarrista se sentia sabotado pelo fracasso de Lady friend (talvez as altas doses de maconha e LSD tornassem sua relação com os outros mais difícil) e é provável que se sentisse enciumado com o crescimento de Chris Hillman dentro da banda, ocupando um lugar – como cantor e compositor – que poderia ter sido dele. Embora é de se considerar que Crosby continuava contribuindo ativamente como compositor à banda. Mas o estresse era bilateral: McGuinn e Hillman também tinham grandes problemas com Crosby.
“Pegou mal” para os outros dois a ativa participação de Crosby no Monterrey Pop Festival, em agosto de 1967 e que foi o primeiro dos grandes festivais dos anos 1960, ocorrendo perto de San Francisco. Foi lá que Jimi Hendrix (que já fazia grande sucesso na Inglaterra) e Janis Joplin foram “apresentados” ao grande público dos EUA e houve também incendiárias apresentações de The Who e The Mamas and the Papas, publicizando toda a cena flower power da Califórnia. Os Byrds se apresentaram no evento, mas Crosby circulou como um tipo de embaixador do festival (assim como Brian Jones dos Rolling Stones) e fez vários discursos ao microfone (defendendo o LSD, por exemplo), enquanto apresentava as novas apresentações dos shows. Além disso, como Neil Young se demitiu do Buffalo Springfield, Crosby o substituiu na apresentação desta banda em Monterrey, iniciando de modo mais próximo a parceria com Stephen Stills.
Assim, as gravações do novo álbum dos Byrds foram marcadas por tensão e brigas. A primeira vítima foi o baterista Michael Clarke, que terminou demitido da banda por insatisfação dos membros com sua performance. Na maior parte das gravações, coube a bateristas profissionais de estúdio tomar o seu lugar, como Jim Gordon e Hal Blaine.
A segunda vítima foi Crosby. Após gravar quatro composições suas para o álbum, o guitarrista entrou em choque direto com McGuinn e Hillman por dois motivos diretos. Em primeiro lugar, a relutância da dupla em colocar a canção de Crosby, Triad, no disco, porque era uma letra que tratava de ménage à tróis. Em segundo, porque a dupla queria gravar Goin’ back (da dupla de compositores profissionais Gerry Goffin e Carole King) como faixa de trabalho do álbum. Crosby não concordava com isso, pois julgava um retrocesso investir em covers com uma banda repleta de compositores. No fim, Crosby foi demitido da banda e Triad foi excluída do disco, mas chegou a ver a luz no álbum seguinte do Jefferson Airplane.
David Crosby seguiria seu rumo e construiria uma carreira musical de sucesso e aclamação. Livre dos Byrds, ele se uniu a Stephen Stills (do Buffalo Springfield) e a Graham Nash (do britânico The Hollies) e formaram o “supergrupo” Crosby, Stills and Nash, cujo primeiro álbum, lançado em 1969, foi um sucesso estrondoso. Em seguida, o trio ganhou a adesão de Neil Young (também ex-Buffalo Springfield) e virou Crosby, Stills, Nash & Young, se apresentando em Woodstock e lançando dois álbuns (um de estúdio, outro ao vivo) de sucesso colossal. Depois de 1971, a banda se separou – e Crosby investiu em carreira solo – mas continuou retornando de vez em quando (a primeira vez em 1974 para uma grande turnê pelos EUA) às vezes como o trio original, outras como quarteto.
Reduzido a uma dupla, no fim de 1967, os Byrds tiveram que fazer um arranjo para continuar ativos. Quanto aos shows que precisavam realizar, o grupo contratou o recém-demitido Michael Clarke apenas temporariamente para fechar o calendário de apresentações pendentes, o que deve ter sido uma situação muito desconfortável. E convidou o ex-membro Gene Clark para retornar à banda.
Clark tinha investido na sua carreira solo e foi aclamado pela crítica, mas não fez sucesso algum. Então, tinha abandonado o mundo da música e se dedicava a outras coisas. O compositor aceitou o convite, mas passou apenas três semanas na banda novamente, antes de ser novamente despedido, pois continuava com os problemas de paranoia e medo de voar. Ainda assim, Clark se apresentou com os Byrds em vários shows pelo Meio-Oeste dos EUA e fez uma famosa apresentação com a banda na TV, no The Smothers Brothers Shows; assim como contribuiu um pouco com as gravações do novo álbum. Aparentemente, Clark faz vocais em Goin’ back e Space Odyssey (de McGuinn e Robert Hippard), além de contribuir com uma composição ao lado de McGuinn, em Get to you.
A finalização do disco, no entanto, foi feita apenas por McGuinn e Hillman como membros, contando com o apoio de vários músicos de estúdio, entre eles, novamente o guitarrista Clarence White.
The Notorious Byrds Brothers foi lançado em janeiro de 1968 e também foi aclamado pela crítica e ficou na razoável posição Nº 47 das paradas da Billboard. É o disco mais experimental dos Byrds, repleto de efeitos sonoros construídos pelo produtor Gary Usher. Dentre as faixas, destaque para Goin’ back (Goffin-King), que também foi lançada em compacto (mas chegou apenas ao 89º lugar); e também para Wasn’t born to follow (também de Goffin-King) na qual novamente evidenciam o country e possui uma marcação distinta criada pelo baterista Jim Gordon. Pouco mais de um ano depois, essa faixa se tornaria bastante famosa por entrar na trilha sonora do filme Easy Rider – Sem Destino.
O MOTORISTA DO CAMINHÃO DA FARMÁCIA
Rapidamente, McGuinn e Hillman procuraram reestruturar a banda e o primo do baixista, Kevin Kelley, foi admitido como novo baterista. Os Byrds se apresentaram como trio algumas vezes, mas isso empobrecia os arranjos da banda, especialmente aqueles mais psicodélicos que tinham adotado recentemente. Assim, por meio da indicação do empresário Larry Spector, convidaram o músico Gram Parsons – vindo do The International Submarine Band – como guitarrista e pianista.
Gram Parsons era um músico country que tinha como missão tornar aquele gênero atrativo para a juventude. Por isso, há certa unanimidade entre os historiadores que ele foi o criador do country rock, um subgênero do rock que se tornaria em breve bastante popular nos EUA. Os Byrds já vinham flertando com o country, especialmente nas composições de Chris Hillman, então, Parsons parecia uma boa adesão.
Após uma rodada de apresentações para azeitar o novo grupo, a nova formação dos Byrds (Roger McGuinn na guitarra e vocais, Gram Parsons na guitarra, piano e vocais, Chris Hillman no baixo e vocais e Kevin Kelley na bateria) entrou em estúdio no início de março de 1968, dessa vez não em Los Angeles como sempre fizeram, mas nos estúdios da Columbia em Nashville. Era um movimento calculado: ao ganhar seu espaço na banda, Parsons começou a convencer McGuinn a gravar um disco inteiro baseado na sonoridade country, no que encontrou a adesão imediata de Hillman. O líder foi convencido e a banda começou a preparar um repertório de canções tradicionais de country em roupagem rock ao mesmo tempo em que investiam em seu próprio material autoral.
Iniciaram as gravações com a banda e um time de músicos de apoio com mais experiência no country, incluindo o já veterano colaborador Clarence White. Enquanto transcorriam as gravações a banda fez dois movimentos para se apresentar à cena country, o que foi um grande erro. Quando os Byrds inventaram o folk rock não enfrentaram a comunidade folk tradicional, que não ligava para a música popular. Mas o country não era uma música de nicho de mercado tal qual o folk, era a expressão máxima da típica sociedade branca, cristã e conservadora do sul do país. Assim, quando os Byrds se apresentaram no Grand Ole Oprey, o mais tradicional evento de música country, foram massacrados pela plateia. Era a primeira vez que uma banda elétrica de jovens cabeludos tocava no evento e foram recebidos com vaias e insultos, do mesmo modo que Bob Dylan quando tocou com uma banda de rock no tradicional Newport Folk Festival, três anos antes.
O passo errado seguinte foi ir ao tradicional programa de rádio de DJ Ralph Emery, onde apresentaram uma versão prévia do que seria a principal canção de trabalho do futuro álbum: uma versão de You ain’t goin’ nowhere (de Bob Dylan) em roupagem country rock, na qual foram desdenhados pelo apresentador que criticou abertamente a “aventura” daqueles hippies. Chateados pelo ocorrido, McGuinn e Parsons compuseram a canção Drug store truck drivin’ man “homenageando” Emery e relatando o caso.
Claro que tudo isso acrescentou pressão às gravações. Não ajudou em nada o egoísmo de Gram Parsons, que quis transformar os Byrds em “sua” banda, querendo que o tocador de pedal steel guitar Sneaky Pete Kleinow fosse admitido na banda como membro fixo (algo que os outros não concordaram) e, depois, insistindo para que o grupo fosse apresentado como Gram Parsons and the Byrds.
Após algum tempo em Nashville, os Byrds voltaram para a Califórnia para trabalhar na pós-produção do disco e tudo só piorou. O ex-empresário de Parsons apareceu e ameaçou processar a banda porque ainda estaria preso por contrato. McGuinn e o produtor Gary Usher usaram isso como desculpa para diminuir o “peso” de Parsons no disco, pegando três canções nas quais fazia os vocais principais e regravando vocais de McGuinn e Hillman nelas. O guitarrista ficou bastante zangado por isso, mas terminou aceitando. No fim, Parsons ainda canta outras três canções na versão final do disco: You’re still on my mind (Luke McDonald), Hickory wind (Parsons, Bob Buchanan) e Life in prison (Merle Haggard, Jelly Sanders), enquanto McGuinn faz a voz em cinco e Hillman em duas, com a dupla cantando outra em dueto.
Em abril o single You ain’t goin’ nowhere foi lançado e chegou ao respeitável 45º lugar das paradas. Em seguida, após alguns concertos pelos EUA, a banda seguiu para a Inglaterra para uma pequena turnê no país, com uma apresentação no Royal Albert Hall e uma sequência pelos clubes de Londres, como o Middle Earth. No primeiro concerto, a banda se encontrou com Mick Jagger e Keith Richards e este último desenvolveu uma imediata vinculação com Parsons e os dois se tornando muito amigos. O passo seguinte da banda era uma turnê na África do Sul, país que vivia sob o regime do Aparthaid, a total segregação entre brancos e negros e que duraria até 1994. Jagger aconselhou o grupo a não fazer isso, mas McGuinn pensava que seria uma forma de protestar contra aquilo.
Às vésperas de partir para a excursão, Gram Parsons anunciou sua demissão, alegando que não podia concordar com os shows na África do Sul, o que o restante da banda interpretou como uma mera desculpa para permanecer na Inglaterra farreando com Keith Richards. Parsons ficaria um tempo na casa do rolling stone antes de voltar aos EUA para uma nova empreitada musical.
Sem um segundo guitarrista na hora de entrar no avião, os Byrds usaram o roadie da banda Carlos Bernal como substituto na segunda guitarra. A turnê na África do Sul foi um fiasco total, com o grupo pouco entrosado e plateias segregadas que detestaram a banda. Para piorar, a imprensa menos conservadora atacou furiosamente o grupo por ter feito aquela excursão.
Com a moral baixa e um membro a menos, os Byrds voltaram a Los Angeles para o lançamento do novo álbum, que saiu ainda no fim de agosto. Sweetheart of the Rodeofoi bem recebido pela crítica, mas chegou apenas a colocação N.º 77, tornando-se o disco menos vendido da carreira dos Byrds. Os grandes destaques do álbum são o compacto You ain’t goin’ nowhere e You’re still on my mind, esta última cantada por Gram Parsons. Apesar das vendas baixas, o disco causou um grande impacto na cena musical de rock, pois era a primeira vez que um grupo internacionalmente famoso gravava um disco daquele jeito. A empreitada dos Byrds foi a ponta de lança de todo um movimento de músicos norteamericanos procurando reencontrar suas raízes country, o que resultou no sucesso de bandas como The Band e Creedence Clearwater Revival, além da adesão de Bob Dylan com Nashville Skyline, todos lançados naquele mesmo ano. Muito em breve, o country rock se transformaria num firme subgênero do rock, revelando grupos como The Eagles, The Allman Brothers Band e Lynyrd Skynyrd.
JÁ VIU O ROSTO DELE?
Ao mesmo tempo, Chris Hillman sugeriu que a banda contratasse o guitarrista Clarence White como membro fixo dos Byrds, já que ele tinha tocado nos últimos três álbuns da banda como músico convidado. White aceitou de bom grado o convite, mas solicitou que a banda mudasse de baterista, algo que os outros acataram. White indicou o amigo Gene Parsons (nenhum parentesco com Gram), um baterista com quem havia tocado numa banda country de curta duração chamada Nashville West.
A nova formação não durou um mês. Chris Hillman reencontrou Gram Parsons em Los Angeles e os dois se reconciliaram, apostando no amor que ambos compartilhavam pelo country. Desanimado com a declinante carreira dos Byrds, Hillman começou a cogitar montar uma nova banda com Parsons. No fim das contas, em setembro de 1968, após um concerto em Pasadena, Hillman teve uma briga com o empresário Larry Spector e se demitiu.
Hillman e Parsons montaram o The Flying Burrito’s Brothers, uma banda que nunca fez muito sucesso, mas foi bastante apreciada no circuito musical. Após o lançamento do primeiro álbum The Gilded Palace of Sin, em 1969, o grupo ainda adicionou outro ex-byrd: o baterista Michael Clarke. Como curiosidade, na nova banda, Hillman deixou de tocar o baixo e passou à guitarra.
O The Flying Burrito’s Brothers lançou apenas dois álbuns, mas foi uma banda muito influente no circuito musical, servindo para dar ainda mais holofotes ao talento de Gram Parsons.
Sem Hillman, Roger McGuinn se tornou o último dos membros originais dos Byrds a permanecer na banda e contratou o baixista de estúdio John York (que vinha trabalhando com The Mamas and the Papas). Assim ficou a nova formação do grupo: Roger McGuinn e Clarence White (guitarra e vocais), John York (baixo e vocais) e Gene Parsons (bateria e vocais); que entrou em estúdio imediatamente, em outubro, para gravação do álbum seguinte.
Apesar do pouquíssimo tempo para se entrosarem antes das gravações, as gravações fluíram muito bem, porque White, York e Parsons eram experientes músicos de estúdio. Além disso, todos eram capazes de cantar muito bem. York também tocava piano e Gene Parsons era um multi-instrumentista, o que fazia com que, apesar de ser oficialmente o baterista, pudesse facilmente contribuir com piano, guitarra, bandolim ou banjo às gravações. Isso contribuiu para a sonoridade do disco fosse muito bem resolvida, apesar da opção do grupo em mesclar a nova sonoridade country rock com o psicodelismo de sua fase anterior. White era um grande guitarrista e criou uma técnica na qual, em um instrumento comum, conseguia emular a sonoridade do steel guitar, algo que tornou muito usado na fase final da banda. Na parte vocal, McGuinn decidiu assumir todos os vocais principais do álbum, porque todos os outros membros eram recém-ingressos. Assim, os outros fizeram apenas backing vocals, sendo este o único álbum da carreira dos Byrds na qual McGuinn faz todos os vocais.
Dr. Byrds and Mr. Hyde foi lançado em março de 1969 e novamente foi bem recebido pela crítica, mas dessa vez, teve uma posição nas paradas ainda pior, chegando apenas ao 153º lugar nos EUA, embora o disco tenha sido – curiosamente – muito admirado na Inglaterra, chegando ao 15º lugar. O produtor do disco foi Bob Johnson, que já tinha trabalhado com Bob Dylan e Simon & Garfunkel, mas seu trabalho rendeu muita dor de cabeça para a banda. Isto porque foi decidido que a faixa de trabalho seria uma canção que não estava no disco – uma versão para Lay lady lay, de Bob Dylan – mas Johnson acrescentou um forte coro de vozes femininas na gravação sem que a banda soubesse, o que os deixou muito chateados. Para piorar, o compacto só chegou ao 132º lugar das paradas, causando para sempre a impressão de que a versão original dos Byrds poderia ter se saído melhor. (A versão original seria lançada nos anos 1990 na reedição em CD dos discos e realmente é melhor).
Quanto ao álbum em si, os grandes destaques são This wheel’s on fire (Bob Dylan, Rick Danko), Drug store truck drivin’ man (McGuinn, Gram Parsons – que não tinha sido gravada ainda), King Apathy III (McGuinn) e Candy (McGuinn, York). Como curiosidade, um concerto dos Byrds poucos dias antes do lançamento do álbum – onde tocam várias faixas do disco e do anterior – seria lançado em 1999: The Byrds Live at Filmore West, February 1969, que é um registro sensacional. Algumas faixas – como Drug store truck drivin’ man e King Apathy III são ainda melhores ao vivo do que em estúdio. Também há algumas faixas inéditas, como a ótima Close up the honky tonks.
Enquanto os Byrds corriam os EUA promovendo o disco novo, o ex-produtor da banda, Gary Usher comprou (do ex-empresário Jim Dickson) a série de demos da banda gravada no Pacific World’s Studios em 1964, antes do contrato com a Columbia, e os lançou como o álbum Preflyte, por sua gravadora Together, com autorização da banda, em julho de 1969. A capa trazia uma infame imagem da cabeça dos cinco membros originais dos Byrds em meio a um ninho de pássaros e trazia o grupo bem em seu início executando prioritariamente suas primeiras composições, trazendo assim, sete faixas totalmente inéditas, das quais cinco eram de autoria de Gene Clark. Também havia uma versão prévia de Mr. tambourine man. Mostrando que a banda original ainda tinha algum apelo, Preflyte teve um desempenho nas paradas ainda melhor do que Dr. Byrds and Mr. Hyde, chegando ao 84º lugar e ainda rendendo um hit quando a faixa You showed me (de Jim McGuinn e Gene Clark) foi regravada pela banda californiana The Turtles e chegou ao 6º lugar das paradas dos EUA.
Encerrada a turnê de divulgação, os Byrds decidiram ir ao estúdio para lançar outro álbum para as vendas de Natal, aproveitando também o envolvimento de Roger McGuinn com o vindouro filme-símbolo da contracultura Easy Rider – Sem Destino. Para produzir o disco, Bob Johnson foi dispensado por sua conduta no disco anterior e McGuinn decidiu trazer de volta Terry Melcher – que tinha feito os dois primeiros da banda – e este aceitou com a condição de também empresariar o grupo. Proposta aceita, a banda passou os meses de junho e agosto no estúdio.
Ballad of Easy Rider foi lançado em novembro de 1969, chamando a atenção pela faixa-título que foi usada no filme. (Sem Destino também trouxe a canção Wasn’t born to follow, de Notorious Byrds Brothers). A vinculação com o filme, que fez bastante sucesso, e talvez a exposição de Preflyte, ajudaram nas vendas e o novo álbum chegou ao ótimo 36º lugar das paradas dos EUA e ao 41º no Reino Unido. O single com a faixa-título chegou ao 65º lugar e o segundo compacto, com Jesus is just all right (esta canção seria anos mais tarde regravada pelos The Doobie Brothers com grande sucesso), ficou em 97º. Estas duas canções terminam sendo o grande destaque do álbum, pois a maior parte do repertório foi formada por covers de canções tradicionais, embora as canções reforçaram a sonoridade country rock da banda. McGuinn só assina a faixa-título, enquanto John York contribui com Fido e Gene Parsons com Gunga din, cada um fazendo o vocal principal nelas. Há ainda uma versão de It’s all over now baby blue (Bob Dylan), mas o andamento excessivamente lento a deixou estranha. Voltando à tradição, nesse álbum não apenas McGuinn faz os vocais, mas todos os outros membros assumem alguma faixa como cantor principal.
Todavia, quando o álbum chegou às lojas, o baixista John York já tinha sido demitido da banda há dois meses. York parecia não estar muito feliz com seu papel no grupo e era sempre relutante em tocar o (farto) material do grupo anterior à sua entrada. De comum acordo, os demais membros acharam que era melhor que ele saísse. Assim como no caso do próprio demitido, novamente foram White e Parsons quem indicaram o substituto: Skip Battin, um músico que tocava ao vivo com vários artistas.
Assim, a nova formação dos Byrds ficou a seguinte: Roger McGuinn e Clarence White (guitarras e vocais), Skip Battin (baixo e vocais) e Gene Parsons (bateria e vocais); e por incrível que pareça, essa seria a formação mais duradoura da banda em toda a sua história, tocando ao vivo por três anos!
A banda iniciou o ano de 1970 fazendo mais shows e, apesar do ingresso recente de Battin, todos concordavam que estavam suficientemente azeitados para finalmente realizar uma gravação ao vivo. De fato, diferente dos tempos do inícios, agora, os Byrds eram formados apenas por músicos de alto calibre em termos de execução, o que fazia com que os concertos do grupo fossem muito apreciados. Isso ajuda a explicar, também, porque apesar de ter uma carreira fonográfica apenas mediana em termos de sucesso, os Byrds se mantiveram vivos e ativos aquele tempo todo, pois eram um dos grupos com maior sucesso em uma carreira de apresentações pelo país.
Então, a banda gravou dois shows em Nova York, em fevereiro e março de 1970 (um no Queens College e outro no Felt Forum), com produção de Terry Melcher para transformar em um álbum. O produtor, inclusive, convidou o ex-empresário da banda, Jim Dickson, para ajudar na mixagem dos tapes. Os Byrds passaram a maior parte do ano excursionando pelos EUA, aproveitando o surto de popularidade causado pelo álbum anterior, parando apenas um pouco em maio e junho para gravar novas canções. Roger McGuinn tinha trabalhado em um projeto de musical para a Broadway com o letrista Jacques Levy, mas como o projeto não foi adiante, decidiu usar algumas das canções para compor o novo disco. Como as faixas foram consideradas boas, a banda decidiu – à moda do que tinha feito o Cream dois anos antes – lançar um disco que misturasse faixas ao vivo e em estúdio, embora num formato duplo.
(Untitled) foi lançado em setembro de 1970 e causou uma ótima impressão aos críticos (como de costume), mas também atingiu o gosto popular, chegando ao 40º lugar das paradas dos EUA e, melhor ainda, ao 11º lugar no Reino Unido. Com isso, a popularidade alcançada com os discos anteriores aumentou mais ainda e a banda se aproximou novamente do mainstream depois de muito tempo. O single extraído do disco foi Chesnut mare(McGuinn-Levy), que chegou ao 121º lugar das paradas dos EUA, mas se deu bem melhor no Reino Unido, onde ficou na posição 19 do ranking. A canção seria um grande hit no rádio nos EUA ao longo dos anos 1970.
No álbum duplo, o primeiro disco era de material ao vivo, com novas rendições de So you want to be a rock’n’roll star, Mr. tambourine man e Mr. spaceman, além de Lover of the bayou (de Ballad of Easy Rider) e Nashville west (de Dr. Byrds and Mr. Hyde) e a inédita versão de Possibility 4th street (de Bob Dylan). Todo o Lado B do disco ao vivo era ocupado por uma impressionante versão de 16 minutos de Eight miles high. No disco de estúdio, além de Chesnut mare, merece destaque Yesterday’s train (de Gene Parsons e Skip Battin). O baixista, inclusive, assina um grande número de faixas, como Hungry planet (Battin, Kim Fowley e Roger McGuinn), You all look alike (Battin-Fowley) e Well come back home (Battin).
Os Byrds aproveitaram o boom de popularidade e conseguiram agendar uma turnê pela Europa e Reino Unido no mês de maio de 1971. A excursão foi um grande sucesso, com ingressos esgotados e a crítica europeia rendida ao talento da banda ao vivo. Em 2008, um dos concertos na Inglaterra foi lançado como disco em The Byrds Live at Royal Albert Hall 1971, que é um ótimo exemplo do que foi aquele momento.
VOCÊ NÃO VAI A LUGAR NENHUM
Infelizmente, a banda cometeu um erro de cálculo: em vez de se dedicar para produzir um disco ainda melhor, realizou uma série de gravações avulsas intermediadas por concertos. Assim, do mesmo modo que Bob Johnson antes dele, o produtor Terry Melcher pegou as canções gravadas e acrescentou sequências de orquestra e coro feminino à revelia da banda. Quando os Byrds viram o material, solicitaram à gravadora que as adições fossem retiradas, mas a Columbia não aceitou, alegando que isso aumentaria os custos.
Byrdmaniaxfoi lançado meio às pressas em junho de 1971 e embora tenha se beneficiado da popularidade da banda, foi massacrado pela crítica dos EUA, que até então elogiara quase todos os álbuns do grupo. A banda foi declarada “morta” pela revista Rolling Stone. Em contrapartida, a imprensa do Reino Unido foi mais condescendente. Ainda assim, atingiu o 46º lugar das paradas dos EUA, mas não apareceu na Inglaterra de jeito nenhum. O compacto com I trust (McGuinn-Levy) também não apareceu em nenhuma das duas paradas. Um segundo compacto com Glory, glory (Arthur Reynolds) foi lançado e chegou ao 110º lugar nos EUA. Novamente, Skip Battin e Gene Parsons contribuíram com composições, mas os poucos destaques cabem a I wanna grow up to be a polititian e Katheen’s song (ambas de McGuinn-Levy), a primeira (apesar de ser um pastiche) porque saiu em algumas coletâneas posteriores da banda; a segunda porque era uma canção que vinha “bolando” pelos últimos discos do grupo e finalmente viu a luz do dia. Durante as sessões, a banda ainda gravou uma versão para Just like a woman (de Bob Dylan), mas ela não saiu no disco, sendo lançada mais tarde nas versões bônus dos anos 2000.
NÃO NASCI PARA SEGUIR
O grupo ficou tão chateado com o resultado de Byrdmaniax que decidiu não só produzir o próximo álbum sozinhos, como também, fazê-lo imediatamente. Aproveitando que iam para a Inglaterra se apresentar no fim de julho de 1971, os Byrds aproveitaram para gravar nos estúdios londrinos da Columbia, longe de seu staff tradicional. Além disso, a banda também decidiu gravar um disco majoritariamente de seu próprio material autoral.
Ao mesmo tempo, a subsidiária britânica da Columbia resolveu aproveitar a passagem do grupo pelo país e preparou uma coletânea chamada The Byrds’ Greatest Hits Vol. II, em outubro de 1971, como se fosse um tipo de sequência da copilação de 1967. O disco trazia um set-list de 12 faixas entre as principais lançadas desde aquele ano, mas ao contrário de seu predecessor, simplesmente não aconteceu nas paradas. O disco ganharia uma versão nos EUA em 1972, com o título de The Best of The Byrds: Greatest Hits Vol. 2 (e chegaria ao 114º lugar). Este disco traria a famosa fotografia do quarteto McGuinn, White, Battin e Parsons em perfil, que se transformaria em uma das imagens mais famosas da banda, repetida em vários outros lançamentos posteriores.
Em novembro de 1971, Farther Along chegou às lojas e recebeu críticas melhores do que o anterior, embora também não tenham sido entusiasmadas. A imprensa dos EUA achou que o disco foi gravado rápido demais e poderia ter sido melhor trabalhado, enquanto a do Reino Unido apreciou o tipo de produção mais simples. O disco chegou apenas ao 152º lugar das paradas dos EUA e não aconteceu no Reino Unido. O compacto America’s great national pastime (Battin-Fowley) também não aconteceu em nenhuma das duas paradas. O disco apresenta uma sonoridade agradável, que começa a se distanciar do country rock rumo a um som que mescla várias das influências da banda para uma sonoridade mais rock e tem alguns destaques, como Get down on line (Gene Parsons), a faixa título (uma canção tradicional, cantada com emoção por Clarence White) e Bugled (de Larry Murray), também cantada por White. Há ainda Precious Kate (Battin-Fowley), que apesar da autoria, é cantada por McGuinn, talvez revelando a ausência de material próprio do líder da banda.
ENERGIA ARTIFICIAL
A má recepção em geral do álbum só serviu para diminuir a moral da banda, criando a clara impressão de que o fim da linha estava próximo. Embora a banda tenha se apresentado ostensivamente no primeiro semestre de 1972, a tensão estava intensa dentro do grupo. Como resultado, em junho o baterista Gene Parsons foi demitido por Roger McGuinn, dando fim à estabilidade que o grupo tivera por três anos mantendo a mesma formação. Os Byrds nunca mais tiveram um baterista oficial, mas contrataram o baterista de estúdio John Guerin como um músico de apoio. A formação McGuinn, White, Battin e Guerin gravou versões ao vivo de Mr. tambourine man e Roll over Beethoven (de Chuck Berry) que aparecem no filme Banjoman e em sua trilha sonora, em 1972.
Curiosamente, Roger McGuinn vinha articulando nos bastidores uma reunião dos cinco membros originais dos Byrds. Em julho de 1972, o produtor David Geffen, da Asylum Records, ofereceu uma grande quantidade de dinheiro ao quinteto para assinar com seu selo. Deu certo. Enquanto os Byrds “oficiais” (McGuinn, White e Battin, mais Guerin) faziam seus shows pelo país, o quinteto original (Roger McGuinn, Gene Clark, David Crosby, Chris Hillman e Michael Clarke) se reuniu para ensaiar faixas novas em outubro e seguiu para um estúdio em Los Angeles, onde gravaram o material em pouco mais de um mês.
Terminada a aventura, ficou a promessa de que o quinteto se reuniria novamente quando o álbum fosse lançado na primavera. Enquanto isso, McGuinn permaneceu tocando ao vivo com os “outros” Byrds, mas talvez o guitarrista já soubesse que o fim estava próximo. Em janeiro de 1973, o baterista contratado John Guerin decidiu voltar para o mais rentável trabalho nos estúdios e outros músicos itinerantes tocaram com a banda no mês seguinte.
No início de fevereiro, McGuinn demitiu o baixista Skip Battin, após um show em Ithaca, em Nova York, e convidou Chris Hillman para ocupar o posto momentaneamente para dois concertos em Nova Jersey nos dias 23 e 24 de fevereiro. Hillman concordou desde que pudesse levar o baterista Joe Lala, seu parceiro de composições e membro da banda Manassas, na qual Hillman também tocava naqueles tempos. Foi essa formação temporária, com Roger McGuinn, Clarence White, Chris Hillman e Joe Lala que fez o último concerto dos Byrds, no dia 24 fevereiro de 1973.
VINDO DE VOLTA
McGuinn cancelou todos os shows seguintes dos Byrds, preparando o terreno para o lançamento do disco da reunião do quinteto original e os concertos que viriam em seguida.
O álbum Byrds foi lançado em março de 1973, trazendo a formação original da banda, com Roger McGuinn (guitarra e vocais), Gene Clark (guitarra, gaita e vocais), David Crosby (guitarra e vocais), Chris Hillman (baixo, bandolim e vocais) e Michael Clarke (bateria). A intenção do disco era capitanear no nome que a banda ainda tinha (especialmente em sua incarnação inicial) e na ideia de um “supergrupo“, seguindo o sucesso de David Crosby no Crosby, Stills, Nash & Young e de Chris Hillman no The Flying Burrito Brothers (ao lado de Gram Parsons) e do Manassas (ao lado de Stephen Stills). Por isso, o disco tem o nome de todos os integrantes na capa.
Byrds tem uma sonoridade agradável, mais calcada no folk do que no country que acompanhou as últimas encarnações do grupo e canções interessantes, mas não agradou a crítica. O disco foi incrivelmente bom nas paradas, atingindo o 20º lugar das paradas dos EUA e o 31º do Reino Unido, mas a crítica parece ter criado uma expectativa diferente do trabalho. Talvez todos pensavam que iria ver de novo a guitarra de 12 cordas estridente e os covers de Bob Dylan do início. Ao contrário, o disco traz uma sonoridade mais calma, pontuada muito mais em timbres acústicos e um acento folk, embora permanecessem as harmonias vocais cristalinas de outrora. Ao invés de olharem para o passado, os Byrds preferiram investir no ponto em que estavam em suas carreiras, o que faz o disco soar mais parecido com Crosby, Stills, Nash & Young do que com Mr. tambourine man.
Curiosamente, o resultado final do álbum também parece um certo acerto de contas dos demais com Roger McGuinn, o único que permaneceu levando o nome da banda adiante. Em primeiro lugar, o cargo de produtor do álbum coube a David Crosby, de todos, o que teve a carreira mais exitosa até ali. Para evitar conflitos e disputas, o combinado foi que cada membro compositor teria direito a duas faixas do disco e depois veriam o que fazer com o espaço sobrante. Assim, cada um cumpriu sua meta, mas o fato de McGuinn também estar ocupado fazendo shows com os “outros” Byrds na época das gravações, o deixou ausente de muitas sessões, então, além do par combinado, Crosyby canta um cover de Joni Mitchel e Clark dois covers de Neil Young. Este último ponto também foi alvo de críticas, porque a imprensa esperava canções de Dylan e não de Young, mas Crosby foi eloquente e certeiro em uma resposta que ficou famosa: se Dylan tinha sido o maior compositor dos anos 1960, Young era o maior dos 1970. Outra vez olhando para frente. McGuinn só faz o vocal principal em duas faixas.
Byrds abre com Full circle – que quase foi o título do álbum – uma composição de Gene Clark e talvez a melhor faixa do disco. Ela foi lançada em compacto, mas chegou apenas ao 109º lugar. Depois, vem Sweet Mary (McGuinn-Levy), em contrapartida a pior faixa do disco. O álbum levanta de novo com Changin’ heart (Clark) e continua com For free (Mitchel), cantada por Crosby. O primeiro lado fechava com Born to rock’n’roll (McGuinn), uma boa composição do ex-líder. O Lado B começa com Things will be better (Hillman, Dallas Taylor), primeiro vocal principal do baixista no disco e uma ótima faixa. Segue Cowgirl in the sand (Young) numa ótima versão cantada por Clark; Long live the king (Crosby); Borrowing time (Hillman, Joe Lala); Laughing (Crosby), outra ótima; e (See the sky) About to rain (Young), também cantada por Clark. Além da dominância de Clark ao longo do álbum, nota-se curiosamente que a participação vocal de destaque de McGuinn se encerra já no Lado A.
ESTÁ TUDO ACABADO, NEGRO AMOR
Infelizmente, a má recepção da crítica ao disco encerrou qualquer possibilidade dos Byrds originais seguirem em turnê ou manter outras reuniões como planejado. Assim, o lançamento do disco marca, também, o fim oficial da banda, fechando seu círculo com a mesma formação que começou após tantos anos.
Seguindo-se ao fim do grupo, os ex-membros seguiram suas carreiras, mas nem tudo foram rosas. Clarence White morreu em 14 de julho de 1973, aos 26 anos, atropelado por um motorista de caminhão bêbado, enquanto descarregava seu equipamento de uma van. No funeral do guitarrista, o também ex-byrds Gram Parsons cantou (ao lado do membro do Eagles, Bernie Leadon) a canção Farther along, que White havia cantado no álbum homônimo dos Byrds.
Gram Parsons tinha sido expulso do The Flying Burrito Brothers no início de 1971, por causa de seu abuso de drogas (e de novo por preferir acompanhar as farras de Keith Richards do que se manter com sua banda), e passou um tempo inativo (quando se mudou para a França e viveu com os Rolling Stones numa roda viva de farras), mas tinha reencontrado o caminho ao lançar no início de 1973 o álbum G.P., que não fez sucesso, mas foi aclamadíssimo pela crítica. Antes do lançamento do seu segundo disco solo (Gravies Angel), Parsons terminou morrendo de overdose de morfina e álcool em 19 de setembro de 1973, também aos 26 anos.
Enquanto isso, os ex-membros originais experimentaram doses variáveis de sucesso: Roger McGuinn lançou seu primeiro álbum solo, autointitulado; Clark retomou para sua carreira solo sempre bem avaliada pela crítica e nunca popular; Crosby se reuniu ao CSN&Y para uma grande turnê, em 1974; Hillman também se lançou em carreira solo; e Clarke ingressou na banda Firefall, que fez algum sucesso.
VOCÊ AINDA ESTÁ EM MINHA MENTE
Em 1977, enquanto Crosby se reunia de novo ao CSN e lançava o álbum homônimo de grandíssimo sucesso, McGuinn, Clark e Hillman se reuniram como um tipo de supergrupo que lançou dois discos: McGuinn, Clark & Hillman e City, com o segundo, em 1979, ainda rendendo o hit Did you write her off?; seguida por mais uma reunião, agora com apenas McGuinn-Hillman.
Nos anos 1980, os ex-membros originais do grupo se envolveram em várias disputas judiciais sobre a propriedade do nome The Byrds, especialmente depois que o baterista Michael Clarke montou uma banda “tributo” ao grupo e registrou o nome para si. (McGuinn havia registrado a propriedade do nome para si nos anos 1970, mas a Justiça desconsiderou isso). Enquanto corria um processo judicial, McGuinn, Crosby e Hillman se reuniram para uma mini-turnê de celebração da banda, em 1989, mas no fim, a Justiça deu ganho de causa a Clarke. Ainda assim, no lançamento da The Byrds Box Set – uma coleção com os maiores sucessos e muito material inédito do grupo – o trio McGuinn, Crosby e Hillman gravou quatro novas canções que foram incluídas na coleção como uma “reunião” dos Byrds, com Path of victory e From the distance.
MINHAS VELHAS IMPRESSÕES
Apesar dos problemas, os cinco membros originais (McGuinn, Clark, Crosby, Hillman e Clarke) puseram as rusgas de lado em janeiro de 1991 quando os Byrds foram introduzidos no Hall da Fama do Rock and Roll. O quinteto compareceu à cerimônia e tocou três canções: Turn! Turn! Turn!, Mr. tambourine man e I’ll feel a whole lot better, sendo a primeira vez que tocavam juntos desde 1973. E infelizmente, a última! Logo depois, em 24 de maio de 1991, Gene Clark morreu pela hemorragia de uma úlcera, causada por anos de abuso de álcool. Não tão depois, foi a vez de Michael Clarke, que morreu em 19 de dezembro de 1993, vítima de uma doença no fígado, também fruto de excesso de álcool.
Os Byrds tiveram uma última reunião informal em agosto de 2000, em um concerto beneficente em que David Crosby e Chris Hillman iriam tocar separadamente, mas a aparição de Roger McGuinn os incentivou a se reunirem de improviso no palco e tocarem Turn! Turn! Turn! e Mr. tambourine man. Em 2002, Crosby conseguiu comprar os direitos do nome da banda da família de Michael Clarke e passou a ser o proprietário do espólio.
Em 2002 e 2003 outros dois ex-membros da banda faleceram: o baterista Kevin Kelley morreu de causas naturais e Skip Battin morreu vítima de Alzheimer.
A banda se foi e o legado ficou. A sonoridade folk do grupo teve grande influência em todo o movimento pós-punk, especialmente naquilo que viria a ser chamado de indie rock, com sua sonoridade refletida em bandas como U2, R.E.M., The Smiths, Stone Roses e muitas outras.
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Morre Chuck Berry, lenda viva e um dos criadores do rock and roll
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Faleceu ontem o guitarrista e compositor Chuck Berry, uma lenda viva e um dos criadores do rock and roll. Dono de hits imortais como Johnny B. Goode, Sweet little sixteen, Roll over Beethoven, Rock and roll music etc., Berry foi o mais importante musicalmente dos pioneiros do rock e seu estilo gravou marcas profundas no rock em geral e na influência que deixou para todas as grandes estrelas do gênero, em especial The Beatles e The Rolling Stones, cujas sonoridades devem demais ao guitarrista, além de terem gravado várias de suas composições ao longo de suas carreiras.
Charles Edward Anderson Berry nasceu em St. Louis, no Missouri, nos Estados Unidos, em 1926, filho de um empreiteiro local e uma diretora de escola. Chuck aprendeu a tocar guitarra na adolescência e foi um jovem rebelde, o que terminou por levá-lo à prisão por tentativa de assalto, com o qual passou três anos em um reformatório.
Influenciado pelo Blues de Muddy Waters, Berry terminou migrando para Chicago, onde trabalhou na linha de montagem da GM Motors, enquanto iniciava sua carreira musical pelos bares da periferia, onde montou uma banda. Contratado pela Chess Records, a casa das grandes lendas do blues, Berry passou a ser acompanhado por um trio com o compositor de blues Willie Dixon no baixo, o pianista Johnnie Johnson e o baterista Fred Bellow, que tocou em todos os seus clássicos.
Em uma famosa entrevista à revista Rollin’ Stone, Berry afirmou que, no início da carreira, queria tocar Blues, mas não tinha sofrido o suficiente na vida, pois advinha da classe média, ao contrário dos grandes nomes daquele gênero. Assim, terminou combinando os elementos do R&B (Rhythm and Blues – o blues elétrico) com o Country, dentro de uma leitura mais palatável às grandes plateias.
Como resultado, suas primeiras gravações, lançadas em 1954, como Nadine e Maybelle, já foram grande sucesso e traziam sua marca registrada: um vocal suave e bem afinado, uma guitarra agressiva (mas cheia de elegância), carregada de solos, um suingue típico e, principalmente, letras que retratavam com perfeição a vida juvenil em um ambiente algo idealizado povoado de carros possantes, garotas sensuais, adultos caretas, roqueiros se transformando em astros da música e escolas cheias de tédio. O músico dizia que seu vocal emulava o estilo de Nat King Cole, seu ídolo. Suas letras eram geniais em sua simplicidade e foram fundamentais para criar o estilo de vida roqueiro. Além disso, Berry foi um dos primeiros a assumir a autorreferência como um elemento forte de suas canções, fazendo com o rock tal qual o blues, que sempre fala do próprio gênero musical nas canções.
Assim, Chuck Berry se tornou mais importante do que os outros pioneiros do rock – como Elvis Presley, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Fats Domino e Bill Harley – porque era um músico mais completo, com totais habilidade no canto, instrumento e composição. Outra coisa é que ele era um performer no palco, se mexendo o tempo inteiro, dançando com a guitarra, movendo-a para os lados e, claro, fazendo o seu típico walk duck, ou passo do ganço, no qual dobrava os joelhos e lançava uma das pernas à frente em passos curtos próximos ao chão.
Por isso mesmo, o guitarrista teve um papel fundamental na diminuição do público segregado dos Estados Unidos, pois na década de 1950, negros e brancos ainda não frequentavam os mesmos lugares. Mas a música de Berry tinha apelo para ambos e isso forçou situações de aproximação. Naquela década, Berry foi uma das maiores estrelas da música dos EUA e suas principais canções foram lançadas entre 1956 e 1958.
O fim da sua fase áurea é marcado por uma tragédia: em 1959, Berry foi acusado pelo crime de transportar uma garota menor de idade – uma indígena mexicana de 14 anos – pela fronteira estadual para trabalho de prostituição. O músico negou a acusação, afirmando que a jovem iria apenas trabalhar no clube que ele mantinha em St. Louis. De qualquer modo, Berry foi condenado a dois anos de prisão em 1961.
Quando saiu da cadeia, o cenário musical tinha mudado totalmente: o rock and roll dos anos 1950 tinha se pulverizado totalmente e a música americana era impactada pela Invasão Britânica de Beatles, Rolling Stones, Animals e outros. Para a sorte do pioneiro, esses grupos tinham na música dele um de seus alicerces, o que facilitou uma “volta aos holofotes” em 1964, fazendo sucesso com a canção No particular place to go. Pegando carona na visibilidade, Berry fez um álbum regravando seus maiores sucessos com uma tecnologia mais moderna, o que fez sucesso também: The Chuck Berry Golden Hit’s, de 1967.
Infelizmente, foi algo passageiro e Berry se recolheu para um circuito menor de apresentações pelo interior dos EUA e eventuais turnês por clubes em outros países. O compositor ainda ensaiou outro retorno em 1972, quando lançou The Chuck Berry London Sessions, no qual gravou acompanhado de músicos britânicos e terminou conseguindo outro hit com My ding-a-ling.
Depois disso, o músico não conseguiu mais encontrar espaço no grande mercado, embora tenha permanecido como uma grande referência. Gradualmente, Berry desistiu de gravar material novo, preferindo viver das glórias do passado. Seu último álbum de inéditas foi Rock It, de 1979. Nesse mesmo ano, sofreu outro revez: acusado de evasão fiscal, passou mais 20 meses na prisão.
A última vez que teve os holofotes para si foi em 1986, quando completou 60 anos e, além de ter sido incluído na premiação do Hall da Fama do Rock, teve um concerto homenagem organizado por Keith Richards (dos Rolling Stones) e com a participação de grandes astros, como Eric Clapton, show que virou o documentário Hail! Hail! Rick and Roll, também lançado em disco.
Desde então, Berry continuava excursionando pelo mundo, inclusive, vindo ao Brasil em 1993, 2002, 2008 e 2013. Ironicamente, o músico tinha anunciado em seu aniversário do ano passado, quando completou 90 anos, de que lançaria seu último álbum em 2017 e, então, iria se aposentar e curtir o tempo com sua esposa, Themetta “Toddy” Suggs, com quem foi casado por 68 anos.
Chuck Berry morreu ontem, 18 de março, em sua residência em St. Charles, no Missouri. A polícia local recebeu uma chamada de emergência médica, mas quando chegaram à casa, o músico de 90 anos já estava sem vida e os esforços para reanimá-lo não surtiram efeito. Berry deixa a esposa e quatro filhos, Ingrid, Aloha, Charles Jr. e Melody.
Publicado em Biografias: Rock, Rock Clássico
Morreu o pianista Leon Russell
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Faleceu ontem o cantor, compositor e pianista norteamericano Leon Russell. O músico ficou conhecido nos anos 1960 como um dos maiores sessiosman (acompanhantes de estúdio) de grandes artistas de rock e, a partir de 1970, também se lançou como cantor e compositor, gozando de bastante sucesso. A notícia de sua morte foi dada pela própria esposa na conta de Facebbok do músico.
Nos últimos anos, o pianista vinha sofrendo de problemas de saúde, tendo se submetido a uma cirurgia cerebral em 2010, sofrendo também de pneumonia e problemas cardíacos, o que lhe rendeu um infarto em 2016. A causa da morte não foi confirmada. Ele tinha 74 anos.
Nascido Claude Russell Bridges, na cidade de Lawton, no Estado de Oklahoma, em 1942. Tendo uma educação musical formal, aprendendo a tocar tanto piano quanto guitarra, Leon Russell começou a tocar em bandas ainda enquanto estava no Ensino Médio, especialmente, no circuito de clubes da cidade de Tulsa. Entre seus companheiros musicais na empreitada, estava o futuro compositor J.J. Cale.
No fim da década de 1950, Russell emigrou para Los Angeles, na Califórnia, e começou a trabalhar como músico de estúdio. Rapidamente, se tornou uma das maiores estrelas dos estúdios de gravação, formando um grupo informal de instrumentistas conhecido como The Wrecking Crew, que reunia nomes como o guitarrista Delaney Bramlett e os bateristas Jim Gordon e Hal Blaine. Com eles, Russell acabou participando (como pianista, guitarrista ou baixista) numa lista inacreditável de gravações de grandes artistas, como Bob Dylan, Beach Boys, Frank Sinatra, The Byrds, Simon & Garfunkel, The Mamas and the Papas, The Monkees, todas as bandas de Phil Spector, The Righteous Brothers, The Ronnetes, Glen Campbel, Sony & Cher, Dan & Jean, e muito mais.
Dentre as gravações históricas de que fez parte, Leon Russell toca o piano de Strangers in the night de Frank Sinatra, a guitarra de Mr. Tambourine Man dos Byrds e os pianos de todos os clássicos dos Beach Boys, incluindo o álbum Pet Sounds.
E isso foi apenas o começo.
A explosão do mercado de rock com o psicodelismo e o espírito de Woodstock fez com que alguns dos músicos de Los Angeles quisessem voar mais longe, Daí, se formou o Delaney & Bonnie & Friends, uma banda algo mambembe, formada com a fina nata de músicos de rock da época: Bonnie Bramlett nos vocais, Delaney Bramlett na guitarra, Carl Randle no baixo, Leon Russell e Bobby Whitlock nos teclados, Bobby Keys e Jim Price nos sopros (sax e trompete), Jim Gordon na bateria e mais quem estivesse por perto.
Em 1969, o guitarrista Eric Clapton – uma das maiores estrelas musicais da época – foi aos EUA excursionar com sua nova banda, Blind Faith e ficou encantado com a leveza e simplicidade das relações pessoais do DBF e do peso e vigor de sua música. O “deus da guitarra” então patrocinou a ida do conjunto para uma turnê pelos clubes do Reino Unido. O clima descontraído da banda era tanto que várias estrelas do rock se uniram a eles na turnê, para tocarem anonimamente como convidados especiais, como o próprio Eric Clapton, o beatle George Harrison, e o ex-membro do Traffic, Dave Mason.
O sonho dourado do DBF acabou logo em 1970, mas Leon Russell fez contato profundo com os músicos britânicos, o que lhe valeu sessões com os Rolling Stones, George Harrison, Eric Clapton e Joe Cocker. Este último gravou a canção Delta lady de autoria de Russell em seu segundo álbum, Joe Cocker, em 1970, e a canção foi o primeiro hit do pianista como compositor. Em seguida, Cocker caiu em depressão e Russell se encarregou de levantar seu espírito, reunindo uma superbanda de 40 músicos (!) para acompanhá-lo numa louca turnê pelos EUA. Daí nasceu o Mad Dog & the Englishmen, que rendeu a turnê, um disco ao vivo e um documentário, todos com grande sucesso.
Paralelamente, também se lançou como artista solo: seu primeiro álbum, Leon Russell, saiu em 1970 e trazia A song for you, sua canção mais emblemática, que além de sucesso na época, seria mais tarde regravada por um batalhão de artistas, como The Capenters, The Temptations (ambos com seus álbuns intitulados a partir da canção), Ray Charles, Whitney Houston, Amy Winnehouse e Christina Aguilera.
Em 1971, Russell foi um dos convidados de George Harrison para compor o Concert For Bangladesh, o maior de todos os concertos beneficentes da época, que reuniu, além de ambos, Eric Clapton, Bob Dylan e Ringo Starr. Russell provém piano para a maioria das performances, canta um dos estrofes de Beware the darkness de Harrison e toca baixo na performance de Dylan, além de ter um set solo, onde canta Jumpin’ Jack flash e Youngblood.
Seu segundo álbum solo, Leon Russell and the Shelter People, saiu em 1972 e o foi o primeiro a ser Disco de Ouro nos EUA, seguindo-se uma grande turnê que foi uma das melhores e mais lucrativas do ano, segundo reportagem da época da revista Rolling Stone. E o sucesso continuou: os álbuns seguintes – Carney (1972 – que trouxe os hits Tight rope e This masquerade), Leon Live (1973) e Will O’the Wisp (1974) – foram todos certificados como Disco de Ouro nos EUA.
Russell também se aventurou pela música country, criando o pseudônimo Hank Wilson e lançando o álbum Hank Wilson Back Vol. 1 (1973), que fez sucesso nas paradas populares e naquelas específicas de música country. Essa incursão também rendeu um álbum de duetos com Willie Nelson, One For the Road (1979), que chegou ao 3º lugar das paradas country e foi novamente Disco de Ouro.
Infelizmente, a partir daí, a carreira de Leon Russell despencou no vazio do classic rock tomado de efeito do pós-punk. O músico continuou gravando e fazendo turnês, lançando dezenas de discos (inclusive mais três de Hank Wilson) sem jamais voltar à evidência do passado, ao ponto de ser quase esquecido.
Em 2009, o também cantor, compositor e pianista Elton John comprou uma coletânea barata reunindo as músicas de Leon Russell e ficou incrivelmente tocado, lembrando que o norteamericano tinha sido uma das maiores influências em sua carreira. Por isso, John investiu num projeto chamado The Union, no qual ele e Russell gravaram um álbum em dueto – que saiu em 2010 – e rendeu ainda uma turnê e um documentário. The Union foi o sexto e último Disco de Ouro da carreira do pianista. O feito reaqueceu a carreira de Russell que, inclusive, foi introduzido ao Hall da Fama do Rock em 2011.
Nos últimos anos, Russell diminuiu seu ritmo de trabalho, por causa da saúde complicada. A rua em que mantinha seu Church Studio, em Tulsa foi batizada como Leon Russell Road. O músico faleceu dormindo em sua casa, nessa cidade, ao lado da família.
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AC/DC: Baixista Cliff Williams anuncia saída da banda
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Em comunicado na página oficial da banda no Facebook, o baixista Cliff Williams anunciou sua saída do AC/DC., lendária banda hard rock originária da Austrália. É mais um golpe na história recente do grupo, que vem se desmanchando nos últimos anos: primeiro, o guitarrista e cofundador do grupo, Malcolm Young deixou a banda por causa de uma doença degenerativa, em 2014; depois, o baterista Phil Rudd (no grupo entre 1975 e 1983; e 1994 até então) teve problemas com a justiça e foi afastado, em 2015; em seguida, o vocalista Brian Johnson (na banda desde 1980) foi obrigado a se afastar dos palcos sob o risco de surdez iminente.
No comunicado, Cliff Williams diz que não está saindo por causa das mudanças recentes da formação, mas porque sente que é o momento de se afastar das turnês e que precisa se dedicar à família. Williams é britânico, nascido em Essex, tem 60 anos e toca com o AC/DC desde 1977. Antes de entrar para o grupo, ele fez parte das bandas Home, de rock progressivo, que lançou dois álbuns e teve a canção Dreamer na posição 41 do ranking da Inglaterra, abrindo shows de Led Zeppelin, The Faces, Jeff Beck e Al Stewart, entre 1970 e 1974; e Bandit, que lançou um único disco em 1977 e foi também a banda de apoio de Alexis Korner.
Não houve um comunicado oficial do AC/DC ainda, que vinha se apresentando nos últimos meses tendo Axl Rose (dos Guns & Roses) como vocalista. Contudo, agora, resta apenas o guitarrista Angus Young entre os membros proeminentes da banda. Em vista de tal situação, é possível que o músico termine por anunciar o fim da banda.
Embora escoceses, os irmãos guitarristas Malcolm e Angus Young cresceram na Austrália e lá formaram o AC/DC em 1973. A banda ganhou impulso com a entrada do vocalista Bon Scott no ano seguinte, com a banda lançando seu primeiro álbum em 1975 e fazendo sucesso imediato na Austrália. Após algumas turnês pela Europa, o AC/DC ganhou projeção internacional com os álbuns High Voltage, de 1976, e Let There Be Rock, de 1977; virando uma das principais bandas do cenário do rock pesado com o lançamento do álbum Highway to Hell, em 1979, o último gravado com o Bon Scott, que morreu vítima de excesso de álcool no ano seguinte, em Londres. Brian Johnson foi seu substituto, estreando com sucesso em Back to Black, em 1980, e permaneceu na banda até recentemente.
De grande influência para o heavy metal e popularidade entre o público roqueiro juvenil, o AC/DC ganhou uma nova leva de fãs nos últimos anos, com suas canções servindo como trilha sonora para os filmes do Homem de Ferro da Marvel Comics.
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Beatles: Produtor George Martin morre aos 90 anos
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Uma nota triste para a música. Morreu ontem o produtor musical George Martin, mais famoso por seu trabalho ao lado dos Beatles. Ele tinha 90 anos e a causa da morte não foi revelada ainda.
George Martin nasceu em 1926 em HighBury, Londres, na Inglaterra, filho de um marceneiro e de uma empregada doméstica, e se apaixonou pela música quando a The London Symphony Orchestra se apresentou em seu colégio. Ele aprendeu a tocar piano e oboé e passou a se apresentar de forma amadora na adolescência até se alistar no Exército em 1943 e se tornar piloto. Quando deu baixa, foi estudar no Guildhall School of Music e se tornou um maestro. Seu primeiro emprego profissional foi no setor de música clássica da rádio BBC, mas em 1955, aos 29 anos, conseguiu emprego na gravadora EMI, a maior do Reino Unido e proprietária de um dos melhores estúdios do mundo, o Abbey Road Studios, no norte de Londres. Em pouco tempo, Martin se tornou o responsável pelo selo Parlophone, uma das subdivisões da empresa.
Os primeiros destaques de sua carreira como produtor musical se deram através dos programas de comédia, que eram gravados no estúdio e transmitidos pela rádio BBC, dentre os quais The Goons, que lançou o ator Peter Sellers. No campo musical, propriamente dito, trabalhou na trilha sonora de Moscou Contra 007, o segundo filme da franquia de James Bond, e produziu a canção-tema do terceiro, 007 Contra Goldfinger, gravado pela cantora Shirley Basset, que foi um dos maiores sucessos da década.
Contudo, sua grande sorte veio com uma bandinha barulhenta de Liverpool, cidade industrial do norte da Inglaterra: The Beatles. O grupo tocava rock e fazia sucesso em sua cidade natal e arredores, além de serem adorados em Hamburgo, na Alemanha. Mas não tinham um contrato de gravação. O empresário Brian Epstein tentou a todo custo vender o grupo para as principais gravadoras, como EMI, Decca e Polydor, mas todas recusaram. De posse de uma fita demo do grupo, Epstein tentou George Martin na Parlophone, no segundo bimestre de 1962. O produtor nem se interessou tanto – para ele aquilo era “música pop” – mas agendou uma sessão teste do grupo.
Como disse em várias entrevistas, livros e programas de TV, Martin ficou impressionado com a energia e a personalidade do quarteto de Liverpool, muito mais do que com sua sonoridade. Aquilo era rock, algo barulhento e não exatamente a música bem tocada e afinada com a qual Martin estava acostumado a trabalhar no jazz ou no clássico. Mas decidiu apostar. Fez apenas uma condição: a troca de baterista, o que resultou na saída de Pete Best e sua substituição por Ringo Starr. A banda gravou Love me do (uma composição de autoria da dupla John Lennon e Paul McCartney, que lideravam o grupo) e o compacto chegou ao 17º lugar das paradas, marcando o início de um grande sucesso.
George Martin trabalhou em todos os 13 álbuns dos Beatles, lançados entre 1963 e 1970, e teve um papel importante na carreira e na música deles, o que lhe valeu o apelido de “o quinto beatle”. Lennon e McCartney não tinham vastos conhecimentos musicais no começo e Martin foi fundamental para traduzir as ideias do grupo em termos viáveis de gravação. Apesar de ser um músico mais conservador no início, Martin soube se abrir para a ânsia da banda em experimentar e, depois, terminou incentivando-os a isso, criando incríveis técnicas de gravação que mudaram a música dos Beatles e a música gravada para sempre.
Entre essas inovações estava incorporar à música gravada os ruídos típicos de concertos de rock, como microfonias e fade-outs; incorporar efeitos sonoros diversos (sons de carros, aviões, animais, sinos etc.); e combinar instrumentos elétricos com a tradicional formação erudita de instrumentos de orquestra. Martin e seus engenheiros de som também criaram uma ambiciosa técnica de gravação multitrack (ou multipista): como a EMI só dispunha de uma mesa de quatro canais até 1968, eles preenchiam os quatro canais, depois comprimiam tudo em um ou dois canais apenas, o que fazia sobrar outros dois canais, que podiam preencher com justaposições e gravações novas de overdubs. Assim, usavam bem mais canais do que tinham à disposição, uma técnica que tornou possível o festival de efeitos e inovação sonora do álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, de 1967, o disco mais importante dos Beatles e um dos mais inovadores da história da música.
Martin também desenvolveu o variespeed, uma técnica em que se mudava a velocidade de rotação da fita de gravação, que desacelerada ou mais acelerada rendia texturas diferenciadas aos instrumentos e às vozes. Na canção In my life – do álbum Rubber Soul, de 1965 – John Lennon queria um solo de cravo – um instrumento medieval antecessor do piano – mas como a EMI não tinha um, Martin gravou o solo em um piano com o tempo da canção reduzida; e em seguida, acelerou o registro, que ficou mais agudo e parece mesmo um cravo na versão final.
Essas técnicas de gravação tornam extremamente arrojadas canções dos Beatles como Strawberry fields forever, Penny Lane, I am the walrus, A day in the life, Lucy in the sky with diamondsetc.
George Martin também usou seu passado erudito a favor do rock dos Beatles, combinando instrumentos de ambos os mundos. Ele escreveu e conduziu inúmeras peças orquestrais que abrilhantaram gravações da banda, em canções como Yesterday, Eleanor Rigby, A day in the life, Hey Jude, Something e muitas outras.
Um único álbum dos Beatles não traz George Martin com o crédito de produtor: ele e a banda gravaram Let it Be em 1969 num projeto de ensaios para um concerto ao vivo que jamais aconteceu. O fato do álbum ter sido gravado ao vivo no estúdio, sem efeitos, deixou o grupo insatisfeito e outros produtores foram chamados para tentar encorpar mais o som. Glynn Johns fez uma tentativa, mas quem agradou aos Beatles foi o produtor norte-americano Phil Spector. Daí, que o disco Let it Be – lançado após o anúncio do fim da banda, em 1970 – tem nos créditos “produzido por George Martin e reproduzido por Phil Spector”.
Nos anos 1960, além dos Beatles, George Martin trabalhou com uma série de outros artistas, conseguindo vários sucessos. Ele e Brian Epstein foram responsáveis por lançar o rock britânico ao investirem em todo um conjunto de artistas advindos de Liverpool tal qual os Beatles, como Gary and the Peacemakers, Billy J. Kramer & The Dakotas, Cilla Black, The Fourmost, e vários outros. SE nenhum deles tem o apelo estético e importância musical dos Beatles, por outro lado, têm importância histórica ao criarem um mercado de rock que inexistia no Reino Unido e abriu as portas para outras bandas, como The Rolling Stones e The Who.
Em 1966, em vista do sucesso sem precedentes dos Beatles, George Martin se demitiu da EMI e passou a atuar como produtor autônomo, criando o Air Studios que, anos depois, passaria a contar com um dos melhores estúdios do mundo, construído em uma velha igreja.
Com o fim dos Beatles em 1970, George Martin continuou sua carreira de sucesso, produzindo vários artistas de sucesso, como o guitarrista Jeff Beck, a banda de jazz-rock Mahavishnu Orchestra, a banda America, o compositor de cinema John Williams, Paul Winter, Gary Brooker, Neil Sekada, Kenny Rogers, as bandas Ultrabox, Cheap Trick e UFO, Elton John e Celine Dion. No fim dos anos 1970, construiu uma segunda unidade do Air Studios na ilha de Montserrat, no Caribe, que se constitui em um dos mais avançados do mundo e que foi usado à profusão por alguns dos maiores artistas do mundo, como Rolling Stones, The Police, Dire Straits etc.
Martin também trabalhou com os ex-beatles Ringo Starr e, principalmente, com Paul McCartney, produzindo a canção-tema Live and let die para o filme 007 – Viva e Deixe Morrer, de 1973, e os álbuns Pipes of Peace, Tug of War e Give Back my Regards to Broad Street, lançados em 1982, 83 e 84, respectivamente. Também orquestrou algumas canções de outros discos do compositor, como Flaming Pie, de 1999.
Em 1992, quando Pete Townshend decidiu lançar a ópera-rock Tommy, que escreveu para o The Who, como um musical da Broadway, foi Martin quem assumiu o projeto e por ele ganhou um Grammy de Melhor Disco de Musical.
Nos anos 1990, Martin resgatou o catálogo dos Beatles e, em conjunto com os remanescentes do grupo e a gravadora Apple, produziu uma série de álbuns com sobras de gravações, como Live At BBC e a série Anthology, que teve três volumes.
Em 1997, produziu a nova versão de Candle in the wind, que Elton John gravou em homenagem à recém-falecida princesa Diana Spencer e o compacto se tornou o mais vendido da história da música. Dois anos depois, Martin se aposentou ao apresentar problemas de audição. Sua despedida foi o álbum In My Life,em que vários artistas e atores interpretam canções dos Beatles.
Ainda assim, ele supervisionou a criação do musical Love, do Cirque du Solail, com canções dos Beatles, com a qual trabalhou com o filho Giles Martin no papel de produtor propriamente dito.
Em reconhecimento à sua grande contribuição à música, George Martin foi sagrado Cavaleiro do Império Britânico e ostentava o título de Sir.
Publicado em Beatles, Biografias: Rock
Motorhead: Lemmy Kilminster morre aos 70 anos
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
O HQRock anunciou a morte do baixista e vocalista britânico Lemmy Kilminster, o líder da banda Mötorhead, ontem à noite em sua página no Facebook. Porém, achamos digno também fazer um post sobre o tema com mais detalhes. Lemmy, uma das figuras mais famosas e carismáticas do rock pesado, andava doente nos últimos anos e chegou a cancelar alguns shows este ano. Porém, segundo o site oficial da banda, no dia 26 último, o músico descobriu um câncer agressivo e morreu já no dia 28, ontem, em sua casa, aos 70 anos.
Ian Frazer Kilminster, sempre Lemmy, nasceu em Stoke-on-Trent na Grã-Bretanha, em 1945, e cresceu no norte do País de Gales. O contato com a música e o rock and roll ainda veio na infância e foi profundamente influenciado pelo estouro dos Beatles em 1963, o que o levou a se envolver com a música e tocar em várias bandas. Já em Londres, Lemmy ingressou no grupo psicodélico Hawkwind, que estreou em disco em 1971 e atingiu vários hits no início dos anos 1970. Lemmy é o vocalista de um deles, Silver Machine, que chegou ao 3º lugar das paradas britânicas em 1972.
Porém, durante uma turnê pelos EUA, em 1975, Lemmy foi preso na fronteira canadense por porte de cocaína e passou 5 dias na cadeia. Os testes terminaram mostrando que ele havia usado speed, ou seja, anfetaminas – que são remédios controlados – e isto o livrou da cadeia e de um processo judicial. Ainda assim, o Hawkwind decidiu demiti-lo.
Então, Lemmy formou uma nova banda, chamada The Bastards, mas logo rebatizada de Mötorhead, uma gíria norteamericana para viciados em anfetaminas. A formação inicial do grupo consistia de Lemmy (vocais e baixo), Larry Wallis (guitarra) e Lucas Fox (bateria). O grupo fez o circuito de clubes de Londres e direcionou o seu som para um rock bastante pesado, que começava a extrapolar as fronteiras do hard rock e começava a aderir ao que chamamos hoje de heavy metal. O Motorhead seria uma das bandas realmente pioneiras no gênero. A banda começou a chamar à atenção ao atuar como grupo de abertura do Blue Öyster Cult e conseguiu um contrato com a gravadora United Artists.
Por sua má atuação, o baterista Fox foi substituído por Phil Taylor (um amigo de infância de Lemmy) e o grupo gravou um álbum que foi rejeitado pela gravadora. Já no início de 1976, o grupo decidiu investir num segundo guitarrista e contratou Eddie Clarke, mas imediatamente, Wallis saiu (para se juntar ao seu antigo grupo Pink Faires) e o Motorhead permanceu como um power trio. Conseguindo um novo contrato com a gravadora Stiff Records, a banda gravou o single Leaving here, que não deu resultado nenhum nas paradas.
Em 1977, sem conseguir ir a lugar nenhum, a banda começava a pensar em desistir, mas após um concerto no Marquee Club, conseguiram um contrato com a Cheswick Records, que rendeu o single Motorhead e o álbum de mesmo nome, que foi lançado e chegou ao 43º lugar das paradas britânicas – um resultado razoável para uma banda estreante e tão pesada como eles. Já em 1978, lançaram o single Louie Louie pela Bronze Records e este chegou ao 68º lugar das paradas de singles do Reino Unido, o que foi suficiente para aparecerem na rádio BBC e na TV, gradualmente aumentando a popularidade do grupo. Até a Cheswick decidiu capitalizar em cima do “sucesso” e repassou seus direitos à gigante EMI que relançou o primeiro álbum da banda com um bom resultado.
Ao mesmo tempo, ainda na Bronze Records, o Motorhead lançou seu segundo álbum em 1978: Overkill, que chegou ao impressionante 24º lugar das paradas britânicas, com a faixa-título lançada em single e chegando ao 39º lugar. O sucesso aumentou e, ainda no mesmo ano, o terceiro disco, Bomber, foi lançado e chegou ao 16º lugar das paradas de álbuns. Até a United Artists reuniu as gravações que tinha do grupo em seus arquivos e lançou, em 1979, o álbum apócrifo On Parole, que também foi bem recebido.
E as coisas podiam melhor, o quarto álbum, Aces of Spades, foi lançado em 1980 e atingiu o 4º lugar das paradas britânicas, tornando o Motorhead um grupo de “superstars” e um dos maiores representantes da nova onda do heavy metal que se consolidava com um monte de novos grupos, como o Iron Maiden.
O Motorhead se manteve na ativa por todos os anos seguintes, com várias trocas na formação – sempre mantendo Lemmy Kilminster à frente – e permanecendo como um dos grandes nomes do rock pesado. Apesar da identificação com o heavy metal, Lemmy sempre afirmou que seu som era apenas “rock and roll”. O grupo lançou 22 álbuns de estúdio e nove discos ao vivo e é uma grande influência para a maioria das grandes bandas atuais.
Publicado em Biografias: Rock, Rock Contemporâneo
Pink Floyd: Cidade natal de Cambridge terá monumento em homenagem à Syd Barrett e à banda
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Uma queixa comum aos fãs da lendária banda britânica Pink Floyd, uma das mais importantes da história do rock, que visitam a cidade de Cambridge é a ausência de qualquer marco ou lembrança na cidade de que a banda nasceu lá. Isso vai mudar. O Conselho Municipal de Cambridge aprovou um orçamento de 10 mil Libras para a construção de um monumento à banda e à Syd Barrett, seu fundador.
Segundo o jornal Cambridge News, a decisão foi discutida a partir de outubro e aprovada no início desse mês. O memorial a Barrett será executada pela Cambridge Live, a organização de caridade responsável por esse tipo de obra cultural na cidade e será exposta no Corner Exchange, o mesmo local onde o compositor realizou o seu último concerto, em 1972, já anos após ter saído do Pink Floyd. A homenagem não foi definida enquanto forma, o que será discutido à posteriori. Pode ser uma escultura, monumento, pintura, painel ou mesmo uma plaquinha azul do National Trust (a organização que faz tombamento cultural de edifícios particulares) a ser colocada na casa em que o compositor nasceu.
O público foi questionado sobre que tipo de monumento deveria ser erguido e surgiram várias sugestões, dentre as quais, uma estátua da banda em uma praça ou parque públicos; um busto de Syd Barrett; uma estátua de uma bicicleta na localidade de Greatchester Meadows (em homenagem à canção Bike, de autoria de Barrett, presente no primeiro álbum da banda); a instalação de um porco inflável gigante acima da cidade (para referenciar o álbum Animals, de 1977); e uma escultura com tijolos de um muro (para referendar o álbum The Wall, de 1979). Estes dois últimos não teriam ligação com a figura de Barrett, pois são de obras posteriores à sua saída da banda, e portanto, não serão realizados.
Neil Jones, Diretor de Operações do Cambridge Live disse à revista Uncut:
Syd Barrett é uma parte importante da herança musical da cidade. Sua contribuição ao som inicial psicodélico do Pink Floyd é imensa e nós desejamos celebrar sua vida e seu trabalho e lembrar o fato de que ele tocou ao vivo pela última vez aqui no Cambridge Corn Exchange.
Ainda segundo a Uncut, Rosemary Been, a irmã de Barrett e representante legal de seu espólio, irá supervisionar os trabalhos.
Syd Barrett é uma figura mítica não apenas pela riqueza de sua (curta) carreira musical, mas também, pelas lendas (e verdades) de sua biografia.
Roger “Syd” Barrett nasceu em Cambridge em 1946, filho de um renomado médico, estudioso de doenças tropicais. Ainda criança, conheceu o vizinho Roger Waters, com quem ia à escola, apesar de deste ser dois anos mais velho. Os dois ficaram muito amigos e descobriram a música e o rock and roll juntos, compraram violões e passaram a sonhar em montar uma banda quando terminassem os estudos. Na turma da adolescência dos dois, também se incluiu David Gilmour, alguém que ajudou bastante Barrett a aprender a tocar guitarra. Com o fim da adolescência, Water e Barrett foram para Londres, estudarem em colégios de Belas Artes e do reencontro realmente surgiu uma banda, em 1965, que passou por vários nomes até adotar o título de Pink Floyd, com Syd Barrett (vocais e guitarra), Roger Waters (baixo), Richard Wright (teclados e vocais) e Nick Mason (bateria).
Inicialmente, tocavam R&B, porém, as composições de Barrett levaram o grupo a uma sonoridade mais experimental e abstrata. Em 1966, a banda se tornou conhecida no circuito de bares de Londres, onde aderiu ao movimento psicodélico que surgia na época e se tornou o seu principal expoente no underground londrino. O renome levou a uma procura de gravadoras pelo conjunto, até assinarem com a EMI (a gravadora dos Beatles). Lançado no início de 1967, o primeiro single, Arnold Layne, causou um grande impacto por sua sonoridade e pela letra arrebatadora sobre um esquisito que roubava roupas íntimas femininas em um varal para vesti-las diante de um espelho! O segundo compacto, See Emily play, fez ainda mais sucesso e chegou ao 6º lugar das paradas; o que abriu caminho para que o primeiro álbum do grupo, The Piper at the Gates of Dawn, fosse um grande sucesso de público e crítica.
Porém, a engrenagem do sucesso afetou Syd Barrett profundamente. A pressão do estrelato, a vontade de ser mais livre artisticamente e o uso incrivelmente abusivo de drogas psicotrópicas, em especial do LSD, transformaram a psiquê do compositor, que simplesmente ficou louco. O Pink Floyd ainda fez um esforço para manter o guitarrista no grupo, mas seu comportamento errático e imprevisível arruinou tudo. No início de 1968, a banda decidiu afastar Barrett das apresentações ao vivo, mas dispostos a mantê-lo como compositor e músico de estúdio, numa posição semelhante àquela então ocupada por Brian Wilson nos Beach Boys. Para substituí-lo nos palcos foi trazido o velho amigo David Gilmour, agora um experiente guitarrista em Cambridge. O Pink Floyd ainda se apresentou ao vivo como um quinteto e fez algumas gravações neste formato, mas logo, a loucura de Barrett se tornou impossível e ele foi definitivamente expulso da banda.
Sair da roda viva do Pink Floyd foi benéfico para o guitarrista e Barrett até enfrentou alguma melhora. Após algum tempo, começou a trabalhar em um disco solo, mas novamente seu comportamento inviabilizou tudo. Num esforço de reparação, Waters e Gilmour assumiram um compromisso com a EMI e se dedicaram a finalizar o disco do ex-líder, lançando no início de 1970 o álbum The Madcap Laugh, que não fez sucesso comercial, mas foi aclamado pela crítica. Barrett até se apresentou ao vivo na rádio BBC e, logo, Gilmour voltou à mesa de produtor para gravar o segundo álbum solo do compositor, chamado apenas Barrett e lançado ainda em 1970, novamente sem sucesso, mas aclamado.
Daí para frente, o comportamento de Barrett se tornou cada vez mais excêntrico e impossível de lidar. O músico voltou para Cambridge e tentou montar uma nova banda, chamada All-Star, que promoveu alguns ensaios e até se apresentou ao vivo algumas vezes, culminando com seu último show no Cambridge Corner Exchange, em 1972. O guitarrista ainda tentou gravar um terceiro disco, mas estava tão alterado mentalmente que não foi possível.
Barrett voltou a viver em Londres, pintando constantemente, mas sem nenhuma atividade propriamente dita. No início dos anos 1980, retornou novamente a Cambridge, onde viveu de modo recluso até sua morte vítima de câncer em 2006, aos 59 anos.
Sua loucura e reclusão ajudaram Syd Barrett se tornar uma lenda. Um herói caído do rock. Alguém que poderia ter sido, mas não foi. Contudo, sua carreira é brilhante. Suas composições com o Pink Floyd são grandes clássicos da Era Psicodélica, enquanto suas canções da carreira solo (mais afetadas por seu estado mental) são irregulares, mas guardando uma beleza estranha, não convencional e, simplesmente, sensacionais. Seu legado – especialmente a banda que fundou e inspirou – também são enormes, com o músico sendo uma influência marcante para artistas como David Bowie, REM e todo o movimento Punk. O próprio Pink Floyd foi incrivelmente tocado por sua música e biografia, criando vários momentos-homenagem ao seu velho líder, como o álbum Wish You Were Here, as canções Shine on you crazy diamond e Have a cigar, além do conceito do roqueiro louco por trás da ópera-rock The Wall.
A cidade de Cambridge reconhecer essa rica herança musical seria muito bom. É um grande legado. E explorar as raízes do Pink Floyd nesta cidade poderia criar um polo de turismo especializado bastante rentável, como o é aquele dedicado aos Beatles em Liverpool.
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Sem Barrett, o Pink Floyd permaneceu no circuito alternativo por alguns anos, porém, se tornou uma das bandas de maior sucesso do mundo em 1973, com o lançamento do álbum Darkside of the Moon. A carreira de sucesso prosseguiu ao longo dos anos 1970, com discos como Wish You Were Here (1975) e The Wall (1979). Após uma série de brigas e crises, Roger Waters deixou a banda em 1985, mas Gilmour, Wright e Mason continuaram com a banda sem ele até 1996. Depois disso, ocorreram apenas algumas reuniões rápidas e o lançamento do álbum The Endless River, ano passado, formado a partir de sessões de gravação dos anos 1990.
Morre Chris Squire, baixista da banda Yes
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Faleceu neste domingo, dia 28 de junho, o baixista e compositor britânico Chris Squire, um dos fundadores e principais membros da banda Yes, uma das mais lendárias de rock progressivo da história. Um dos maiores baixistas do rock, Squire morreu vítima de leucemia em Phoenix, no Arizona, nos EUA, cerca de um mês após o anúncio de que estava com a doença.
Squire é o único membro do Yes que participou de todos os álbuns da banda, marcada pela troca constante de membros. Também era um dos principais compositores do grupo, fazendo duetos com o vocalista Jon Anderson.
O baixo de Chris Squire é um dos melhores do rock, ao lado de Jack Bruce (Cream) e John Entwistle (The Who), sendo de grande acento melódico e agressivo. O músico usava um Rickenbaker e muitas vezes seu baixo soa como uma segunda guitarra.
Como compositor, Squire assina ou coassina vários clássicos da banda, como Beyond and before, I’ve seen all good people, Starship trooper, Yours is not disgrace, Southside of the sky, Heart of sunrise, And you and I, dentre outras.
Squire e Jon Anderson fundaram o Yes em 1968, a partir de uma banda que tocava nos clubes londrinos, influenciados pela psicodelia da época, também incorporaram o elemento melódico dos Beatles, o folk dos Byrds e os vocais arranjados dos Beach Boys, mas fundamentalmente, uma música extremamente complexa, influenciada pelo jazz, na qual várias seções musicais se alternavam em relação a uma melodia principal, criando um som diversificado com canções bastante longas, o que seria rotulado de rock progressivo.
De sucesso tímido em seus primeiros álbuns, o Yes terminou ganhando notoriedade com The Yes Album, de 1970 e, rapidamente, se tornou uma das mais poderosas bandas britânicas e um dos carros-chefes do movimento do rock progressivo, ao lado de bandas como Pink Floyd, Jethro Tull, King Crimson, Genesis e Emerson, Lake & Palmer.
O auge do Yes foi em 1972, quando lançou seus dois discos mais importantes, Fragile e Close to the Edge, que marcam a entrada do tecladista Rick Wakeman, e estão calcados em uma dinâmica fortíssima e impressionante entre o baixo de Chris Squire e a bateria de Bill Bruford.
O Yes manteve destaque em álbuns posteriores, como Tales of Topographic Oceans (1974), Relayer (1975) e Going For the One (1976), mas depois, amargou uma decadência que resultou no fim do grupo em 1980.
Nesse meio tempo, Chris Squire também lançou o álbum solo Fish Out of Water (1975), que é uma obra poderosíssima e o melhor dos trabalhos individuais dos ex-membros do Yes.
Após a paralisação da banda em 1980, contudo, Squire, o baterista Alan White e o vocalista Jon Anderson retomaram o grupo e o Yes lançou 90125, que trouxe o megahit Owner of a lonely heart, que foi um grande sucesso em 1983 e, provavelmente, a canção mais conhecida do grupo.
A partir de então, o Yes continuou sendo uma banda de retorno, mas sempre na ativa e produzindo material novo, embora muito pautado no repertório do passado.
A banda tocou no Brasil diversas vezes, desde o Rock In Rio de 1985, passando por outras oportunidades em 1995 e as duas últimas em 2010 e 2013.
A formação mais recente da banda trazia Jon Davison (vocais), Steve Howe (guitarra), Chris Squire (baixo), Geoff Downes (teclados) e Alan White (bateria).
Christopher Russel Edward Squire, nasceu em Londres em 1948 e, na adolescência, foi expulso da escola por usar cabelos longos demais. Nunca mais retornou e se dedicou à música. Ele tinha 67 anos e era casado e tinha quatro filhos. O Yes emitiu uma nota oficial lamentando sua morte, mas não há informações se o grupo continuará suas atividades.
Publicado em Biografias: Rock, Rock Clássico
Eric Clapton: Deus da guitarra faz 70 anos
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Este post é uma versão atualizada de outro publicado há quatro anos atrás. Mas ele merece…
Hoje, 30 de março de 2015, o guitarrista britânico Eric Clapton faz aniversário de 70 anos. Um data redonda que serve para celebrar a importância de um dos músicos mais importantes do século XX, que deixa um legado imenso ao rock, ao blues e à música popular em geral.
Aclamado nos anos 1960 como “o deus da guitarra“, esse fã de blues construiu uma carreira meteórica; fez sucesso de público e crítica; namorou a mulher do melhor amigo; se afundou nas drogas; deu a volta por cima; ampliou o seu público mais ainda; afundou no álcool; se tratou para poder criar o filho; o filho morreu em um acidente; manteve-se sóbrio; fez mais sucesso ainda; e mantém-se como um músico respeitado, excursionando constantemente pela Europa, Japão e Estados Unidos. E agora fala em se aposentar.
Enfim, uma trajetória ímpar para uma “estrela” de tal magnitude. Não à toa a (recomendável) autobiografia do artista, Clapton, publicada em 2007, é uma obra de superação, de um homem enfrentando seus demônios e vencendo ao final.
Para celebrar a data, o HQRock faz um apanhado da longa e profícua carreira do maior dos guitarristas britânicos, quiçá de todo o rock clássico.
Juventude:
Eric Patrick Clapton é um típico representante da geração do pós-guerra: nasceu em Ripley, nos arredores de Londres, em 1945, filho da adolescente Patricia Clapton, de família operária, e um soldado canadense de passagem pela Inglaterra em plena II Guerra Mundial. Para evitar escândalos, o menino Eric foi criado como “filho” dos avôs e só descobriu a verdade aos 09 anos de idade. Imagine o choque em sua mente juvenil ao descobrir que sua “irmã” era, na verdade, a sua mãe! Por isso, o problema de identidade sempre cercou a obra do artista.
Na adolescência, canalizou a rebeldia por meio do rock and roll: em 1956, o gênero explodiu na Grã-Bretanha com os sucessos de Elvis Presley, Bill Harley, Chuck Berry e Little Richard. O pequeno Eric encontrou na música uma válvula de escape para seus problemas pessoais e familiares. A paixão era tão grande que seu avó carpinteiro fez um grande esforço para lhe comprar um violão barato.
Na medida em que avançava na adolescência, Clapton descobriu o blues, que se transformou em sua maior paixão musical. O cenário britânico era muito favorável ao blues: enquanto os bluesmen sofriam preconceito racial nos EUA e eram completos desconhecidos do público em seu país natal; no Reino Unido, o blues gerou uma curiosidade musical (e cultural) genuína, pegando carona na febre do jazz que assolou a Europa a partir dos anos 1920. Na medida em que surgiam bandas de jazz na Europa e estas iam excursionar nos EUA, voltavam para casa levando discos de blues que passaram a ser apreciados especialmente nos anos 1950.
Foi essa onda que permitiu artistas como Leadbelly – um notório bluesman rural – a ir viver na Europa e passar seus últimos dias como um músico e compositor respeitável. A emergência do blues elétrico de Chicago nos anos 1950 não freou o movimento e, logo, esses novos artistas também passaram a fazer sucesso em um circuito específico de apreciadores de blues e jazz.
Assim, no início dos anos 1960, Londres viu nascer uma forte cena de R&B (Rhythm and Blues), o nome dado a esse novo blues elétrico. Curiosamente, esse movimento uniu duas “gangues” que antes não “se bicavam”: os apreciadores do jazz e os amantes do rock. Não é à toa que ex-membros de uma banda de jazz montaram aquela que seria a banda seminal do novo movimento: The Blues Incorporated, liderada por Alexis Korner no violão, ladeado por Cyrill Davis na gaita.
Korner era um sujeito gregário e gostava de reunir aqueles jovens amantes de rock que queriam tocar R&B e transformou sua banda em um time não-fixo de músicos, o que permitiu que grande parte das futuras estrelas do rock britânico tivessem sua iniciação nas fileiras do The Blues Incorporated, como: os vocalistas Mick Jagger (Rolling Stones) e Long John Baldry (Bluesology); o guitarrista Brian Jones (Rolling Stones); o baixista Jack Bruce (Cream); os bateristas Ginger Baker (Cream), Charlie Watts (Rolling Stones); o pianista Nick Hopkins; e muitos outros.
Korner também incentivou a formação de vários outros grupos, das quais os Rolling Stones foram os mais notórios. mas também outros como The Graham Bond Organisation, The John Mayall’s BluesBreakers e Cyrill Davis and the All Stars. Este último reuniu em suas fileiras os guitarristas Jeff Beck e Jimmy Page e teve Long John Baldry como vocalista. Com a morte de Davis em 1964, a banda mudou de nome para Long John Baldry and the Hootchie Cockie Men, que teve Rod Stewart como vocalista. Baldry depois montou o Bluesology, que revelou o pianista Elton John.
Toda essa cena estava em seu início fervilhante nos anos de 1961 e 1962, quando um ainda adolescente Eric Clapton assistiu assombrado seu primeiro show da Blues Incorporated, que na ocasião reunia Korner com Cyril Davis na gaita, Brian Jones fazendo uma guitarra slide, Jack Bruce no baixo, Charlie Watts na bateria e Nick Hopkins no piano. Vendo os concertos daquela banda, Clapton decidiu que precisava de uma guitarra elétrica.
Naquele tempo, o jovem trabalhava como carpinteiro auxiliando o avô, de modo que juntou dinheiro para adquirir sua primeira guitarra elétrica. Se até então a música era um hobby do jovem Eric, agora, o rapaz visualizava uma carreira profissional como guitarrista. Ao mesmo tempo, ingressou numa Escola de Belas Artes, o que lhe deu a oportunidade de participar de suas primeiras bandas.
A primeira que ingressou foi a já existente The Roosters, que tinha sido fundada pelo futuro membro dos Rolling Stones, Brian Jones e o vocalista Paul Jones (não são parentes), que ficaria famoso na banda The Manfred Mann. Depois, Clapton foi convidado a ingressar em uma banda originária de Liverpool chamada Casey Jones and the Engineers, na qual passou apenas algumas semanas.
The Yardbirds:
A carreira de Clapton alavancou com esta banda de R&B que conheceu na faculdade. E Clapton não só acrescentou mais técnica à banda: dois meses após sua entrada, o grupo ganhou certa notoriedade na Cena de R&B de Londres, quando substituiu os Rolling Stones como banda da casa do Crawdaddy Club, em Richmond, nos fins de 1963.
The Yardbirds era então formado por: Keith Relf (vocais e gaita), Eric Clapton e Chris Dreja (guitarras), Paul Samwell-Smith (baixo) e Jim McCarthy (bateria). O repertório era formado por canções de notáveis bluesmen elétricos, como Muddy Waters, Jimmy Reed e Bo Didley.
A carreira dos Yardbirds foi meteórica, já que no início de 1964 lançaram seu primeiro compacto (I wish you would), seguido depois pelo segundo (Good morning little school girl). Um detalhe curioso: esta última canção foi a estreia de Clapton no microfone, fazendo os backings vocals para Relf.
Embora não tenham atingido as paradas de sucesso de modo significativo, esses lançamentos incendiaram a cena R&B por causa da agressividade das gravações dos Yardbirds e de seus shows incendiários. Esta última faceta, inclusive, foi posta à prova com o lançamento do álbum Five Live Yardbirds, que traz um concerto gravado no The Marquee Club e é sensacional! Tudo isso foi o suficiente para por o grupo em algumas apresentações na TV.
Outro ponto interessante da carreira deles naquele momento foi a excursão com o bluesman norteamericano Sonny Boy Williamson, que anos mais tarde seria lançado em um álbum ao vivo. Isso se inseria no contexto do esforço de artistas e empresários britânicos de promoverem turnês na Europa com os bluesmen originais dos EUA, o que rendeu o The Blues and Folk International Festival, na qual inúmeros artistas negros se apresentaram no velho continente.
Clapton se via, então, como um herdeiro daquela tradição do blues, agindo como um purista. Por isso, decidiu largar os Yardbirds depois da gravação do compacto For your love, em março de 1965 (quando completava seus 20 anos!) irritado pelo fato da banda adotar uma sonoridade mais comercial. Curiosamente, tal faixa levou a banda a se tornar uma das mais famosas da Inglaterra e a estourar, também, nos Estados Unidos. Mas quando isso aconteceu, Jeff Beck estava na guitarra em seu lugar.
The Bluesbreakers:
Não demorou quase nada e Clapton ingressou na banda de John Mayall (voz e teclados), the Bluesbreakers, o primeiro grupo inglês de blues a gravar material original. Tocando blues de verdade – e não o “parente” R&B – Clapton mergulhou em seu território favorito, o que se refletiu em seu som. Passando a usar uma guitarra Gibson Les Paul, o músico virou uma sensação nos clubes londrinos. Logo, se transformou em uma celebridade dentro do circuito de R&B da cidade. Assim, em 1966, ele foi aclamado como “deus”: a pichação “Clapton is God” começou a aparecer pichada nos muros e no metrô de Londres.
A fama do guitarrista fez com que 0 único álbum que gravou com a nova banda – não à toda chamado The Bluesbreakers with Eric Clapton, de 1966 – se tornou o primeiro álbum de blues a entrar no Top20 das paradas britânicas e é uma obra-prima, o marco inicial do subgênero blues rock que daria origem, anos depois, ao hard rock e ao heavy metal.
O disco mostra a influência da nova geração de bluesmen elétricos, como Buddy Guy e Otis Rush. O som da guitarra em faixas como Hideway e All your love são simplesmente fantásticos. O disco também traz a estreia de Clapton como cantor solo: em Ramblin’ on my mind, de autoria de seu herói Robert Johnson (um bluesmen dos anos 1930).
Cream:
O que fazer quando se é eleito o melhor guitarrista da Inglaterra? Clapton deu a resposta: se unir ao melhor baixista e ao melhor baterista, Jack Bruce e Ginger Baker, respectivamente. O jornal Melody Maker escolheu o trio de melhores instrumentistas do país no início de 1966. Coincidência ou não, seis meses depois estreou o Cream com eles, formando o primeiro “supergrupo” do rock – aqueles onde os membros já são famosos antes de montá-los. A banda, claro, causou a maior sensação e impressionou com a potência e a fúria sonora de seu som ao vivo.
O impacto da criação dessa banda foi enorme na Inglaterra e a banda foi aclamada antes mesmo de gravar qualquer canção. O Cream, inclusive, testou insistentemente seus admiradores tentando se provar uma boa banda de música, e não apenas um show pirotécnico de técnica e fúria como eram seus shows: os dois primeiros compactos da banda eram canções pop que flertavam com o vaudeville (um típico som tradicional originário do século XIX): Wrapping papers e I feel free.
Naquele momento, Clapton não era mais um purista do blues: impressionado com a nascente onda psicodélica desenvolvida por bandas como Beatles e Rolling Stones, o guitarrista absorveu a influência e desenvolveu no Cream um blues rock com ares pop e psicodélico ao mesmo tempo. Se os shows eram incendiários, com improvisações que transformavam as canções em peças de 15 ou 20 minutos de duração e solos intermináveis; os discos traduziam isso para uma linguagem ligeiramente mais tradicional, com canções fortes, pesadas e arranjos psicodélicos e criativos.
O Cream se tornou uma das maiores sensações da cena psicodélica da Inglaterra e foram os grandes incentivadores de outra banda que fez muito sucesso: The Jimi Hendrix Experience, que lançou Hendrix ao mundo. As duas lendas da guitarra viraram grandes amigos.
Se antes, Clapton era uma celebridade da cena R&B londrina, o Cream o transformou em um astro, com a banda sendo um dos maiores sucessos da década e vendendo tanto quanto Beatles e Stones. Apesar do baixista Jack Bruce ser o vocalista principal e o compositor da maioria das canções do Cream, o carisma de Clapton e sua guitarra se tornaram na “face pública” da banda. Isso ficou ainda mais evidente quando, após o sucesso do primeiro álbum, Fresh Cream, de 1966, o grupo foi gravar seu segundo álbum nos EUA.
Os executivos da gravadora Atlantic perceberam que Clapton era a “estrela” da banda e incentivaram o guitarrista a compor mais e assumir os vocais, de modo que o álbum Disraeli Gears,lançado em 1967, trouxe duas canções suas: Strange Brew e Tales of brave Ullysses. Além disso, o grande hit do disco, Sunshine of your love, é assinado por Bruce e Clapton, juntamente ao letrista Pete Brown.
Contudo, o Cream também era uma guerra de egos, especialmente entre Jack Bruce e Ginger Baker (que já tinham tocado juntos no Blues Incorporated e na Graham Bond Organisation), que simplesmente se detestavam. Ao mesmo tempo, Clapton se desencantava com a pirotécnica da banda, ficando cada vez mais interessado na sonoridade limpa e sincera de grupos como The Band, que lançou seu primeiro álbum em 1968. Assim, após o lançamento do álbum duplo Wheels of Fire (com um disco em estúdio e outro ao vivo), o Cream se despediu do público com o The Farewell Concert no Royal Albert Hall, em novembro daquele ano. Ainda assim, um último álbum do Cream foi lançado no início de 1969, apropriadamente chamado Goodbye.
Este disco abria outro capítulo na vida de Clapton expressa na canção Badge, uma parceria dele com o beatle George Harrison e que foi o grande hit do álbum.
Enquanto se despedia do Cream, Clapton estreitava seus laços com outros músicos da cena musical londrina. Amigo dos beatles John Lennon e George Harrison desde 1964, o guitarrista estreitou as relações com o quarteto de Liverpool naquele período, passando a fazer parte do círculo interno da banda mais famosa do mundo. Por isso, terminou contribuindo para um solo memorável na canção While my guitar gently weeps, de Harrison, lançada no White Album, de 1968.
Clapton também se uniu a John Lennon na banda-de-uma-noite-só The Dirty Mac, que se apresentou no Rock and Roll Circus dos Rolling Stones, tocando uma versão magistral de Yer blues, de Lennon, outra canção dos Beatles lançada no White Album. Além de Lennon e Clapton nas guitarras, a banda improvisada trazia o stone Keith Richards no baixo e o baterista Mitch Mitchell (do The Jimi Hendrix Experience).
Blind Faith:
De um supergrupo para outro. Infeliz no Cream, Clapton se uniu ao superastro e “menino prodígio” (só tinha 19 anos) Steve Winwood, que fizera sucesso nos anos anteriores em duas bandas: The Spencer Davis Group e Traffic. Com Clapton nas guitarras e Winwood nos teclados e voz, a banda tinha ainda Ric Gresh no baixo e Ginger Baker na bateria. Novamente, se gerou bastante expectativa, o grupo estreou em um grande concerto no Hyde Park de Londres para 200 mil pessoas e lançou um álbum homônimo de grande sucesso.
Blind Faith, o álbum, traz uma das mais célebres entre as primeiras composições de Clapton: Presence of the Lord; além outras de Winwood, como Can’t find my way home. Contudo, tendo em vista Winwood ser um dos maiores vocalistas da história do rock, ao contrário de todos os seus outros grupos, Clapton não canta nesta banda.
Apesar do sucesso do Blind Faith, Clapton nunca foi feliz dentro desse grupo, talvez porque a presença de Ginger Baker trazia ecos demais do Cream. Por isso, após uma turnê de verão pelos EUA, Clapton se viu novamente tocando em um supergrupo enquanto queria fazer um som mais simples. O Blind Faith nunca mais se agrupou novamente.
Delaney, Bonnie & Friends (e outros):
Clapton encontrou a simplicidade na banda norteamericana Delaney, Bonnie & Friends, formada por renomados músicos de estúdio dos EUA, mas desprovidos de ego ou excentricidades. Clapton conheceu a banda durante a turnê do Blind Faith, na qual o DBF agiu como grupo de abertura. Encantado com o estilo mambembe e desapegado desse time de grandes instrumentistas, Clapton patrocinou uma turnê deles na Inglaterra e fez também algumas gravações.
O DBF tinha em seus quadros alguns dos mais célebres instrumentistas do rock clássico: Delaney Bramlett (vocais e guitarra), Bonnie Bramlett (vocais), Rita Colidge (vocais), Leon Russell (guitarra e piano), Carl Randle (baixo), Bobby Whitlock (teclados), Jim Gordon (bateria), Bobby Keys (saxofone), Jim Price (trumpete) e mais alguns outros ocasionais participantes. Na Inglaterra, o circuito musical do rock ficou encantado com eles, de modo que não apenas Clapton subiu ao palco com eles, mas vários outros músicos, como os guitarristas George Harrison (Beatles) e Dave Mason (Traffic).
Sem uma ocupação fixa naquele momento, Clapton também participou da Plastic Ono Band do ex-Beatles John Lennon, com a qual fez um concerto no Canadá – lançado no álbum Live Peace Toronto – e também alguns outros shows menores e a gravação do single Cold turkey.
A festa em torno do DBF durou o outono e o inverno de 1969/1970, mas nem eles puderam resistir à colisão de egos. Entretanto, eles ainda deixariam três legados importantes à carreira de Clapton.
O primeiro deles foi o primeiro álbum solo do guitarrista: Eric Clapton, lançado em 1970 (há um post sobre ele aqui no HQRock), um clássico do rock e, talvez, o melhor disco de toda a carreira do músico. O grande incentivador da empreitada foi o líder do DBF, Delaney Bramlett, convenceu Clapton a gravar e também produziu o álbum, usando o DBF como banda de apoio, além das participações especiais de George Harrison, David Mason e Stephen Stills.
O segundo legado foi a célebre participação de Clapton no álbum de George Harrison, All Things Must Pass, lançado ainda em 1970. Um batalhão dos melhores músicos ingleses e norteamericanos tocaram naquele disco triplo, dentre os quais Clapton e os DBF. Infelizmente, esta banda se dissolveu exatamente durante as sessões de gravação do disco, fazendo com que um novo grupo surgisse dali e este é o terceiro legado.
Derek and the Dominos:
Tendo em vista a fragmentação do DBF, Clapton conseguiu manter o núcleo base da banda ao seu lado: ele próprio nos vocais e guitarra, Carl Randle no baixo, Bobby Whitlock nos teclados e Jim Gordon na bateria. Esse núcleo enxuto foi a primeira banda na qual o guitarrista emergia como líder inconteste (já que antes dividiu ou cedeu a função a John Mayall, Jack Bruce e Steve Winwood). Entretanto, um pouco cansado do peso de sua própria fama, o deus da guitarra decidiu fazer um joguinho e criar algo como uma identidade secreta, batizando a banda de Derek and the Dominos.
Como já escrito, o Derek and the Dominos se formou nas gravações de All Things Must Past de George Harrison, sendo o grupo de músicos que toca nas faixas mais rock and roll do álbum. Inclusive, foi durante aquelas sessões que o grupo gravou seu primeiro single, aproveitando o produtor Phil Spector e o apoio de Harrison na outra guitarra. As canções foram Tell the truth e Roll it over. O ex-guitarrista do Traffic, Dave Mason, também tocou nessas sessões e considerou seriamente ingressar no grupo de forma fixa.
O Derek and the Dominos conseguiu agendar shows rapidamente no circuito de clubes e um contrato com a gravadora. Mas apesar da grande banda que tinha consigo, do repertório fenomenal que estavam montando e de uma sequência de apresentações mais tranquilas do que nos tempos do Cream, Clapton viva um tremendo inferno astral na vida pessoal. O músico estava apaixonado pela mulher de seu melhor amigo, George Harrison.
Nos últimos anos, Clapton e Harrison viviam como dois irmãos, sempre juntos e tocando e fazendo shows. Contudo, o deus da guitarra terminou se apaixonando por Patti Boyd, a esposa do ex-beatle. Boyd era uma modelo famosa e uma mulher lindíssima. Porém, era extremamente infeliz na vida conjugal, tendo que aturar as “puladas de cerca” constante do marido e o fato dele não se interessar mais pelo “amor físico” com ela, pois estava muito envolvido com as seitas transedentais e o misticismo. Ao mesmo tempo, Clapton estava ali: bonito, simpático, prestativo, disponível e apaixonado.
Patti Boyd cedeu aos encantos do deus da guitarra, mas ao mesmo tempo, não estava disposta – pelo menos de imediato – a largar o marido ex-beatle, o que enchia Clapton de dor e culpa. E a situação era ainda mais complexa, já que Eric não só namorava a irmã de Patti na ocasião, como também, Harrison terminou descobrindo o caso. Harrison e Clapton chegaram a sair nos socos em um estacionamento, porém, terminaram resolvendo a coisa no modo inglês: sem falar nada e seguindo adiante.
O amor meio-correspondido por Pattie já tinha enchido o repertório do álbum Eric Clapton e ganhou uma sequência com o disco do Derek and the Dominos: Layla and Others Assorted Love Songs, outro clássico, lançado em dezembro de 1970. Para se afastar de George e Pattie, Eric decidiu ir para os EUA e gravar o disco lá com Tom Dowd, o engenheiro de som dos discos do Cream. No meio das sessões, o quarteto foi acrescido do guitarrista norteamericano Duane Allman, membro da seminal banda de southern rock The Allman Brothers, que tocou como uma participação especial, fazendo guitarra slide.
O período das gravações continuou turbulento por causa da morte de Jimi Hendrix em setembro, que era um grande amigo de Clapton. Aliás, no dia da morte de Hendrix ele iria encontrar Clapton em um pub e este estava levando uma guitarra de presente para ele. Eric ficou arrasado e, em homenagem, gravou a faixa Little wing, de Hendrix, no disco.
O álbum não fez tanto sucesso de vendas quanto o guitarrista estava acostumado – talvez o lance Eric/Derek tenha enganado parte do público (e agravadora imprimiu botons e adesivos com a frase “Derek é Eric”, mas parece que não adiantou) – e parte da crítica ficou confusa com o disco, mas inegavelmente, é um dos grandes clássicos de sua carreira, em faixas incríveis como Bell bottom blues, Anyday e Keep growing.
Mas claro, o grande destaque é a faixa Layla, uma ode a Pattie, na qual canta todo o sofrimento de seu amor embalado por um riff sensacional, uma levada enérgica, um arranjo fantástico e a ousadia de uma longa coda instrumental com uma melodia totalmente diferente, levada no piano.
No início de 1971, o Derek and the Dominos embarcou para os EUA, onde fez uma vitoriosa turnê – que seria registrada no futuro álbum In Concert – mas implodiu logo depois. De volta ao Reino Unido, a banda até começou a gravar seu segundo álbum, mas Clapton estava totalmente afundado no uso de drogas, especialmente heroína, e simplesmente, abandonou o barco. Bobby Whitlock tentou desesperadamente tirar Clapton de sua casa de campo, mas não conseguiu e a banda acabou.
Ostracismo:
Era início de um dos períodos mais conturbados da vida de Clapton: o guitarrista afundou nas drogas e passou praticamente três anos quase inativo, apenas ocasionalmente aparecendo em público. Dessas aparições, a mais célebre foi no Concert for Bangladesh, em agosto de 1971, um concerto beneficente organizado por George Harrison. Os amigos continuavam a tocar a vida no estilo inglês.
O vídeo do show mostra claramente um Eric Clapton acima do peso e enferrujado na guitarra, sem aquele brilho que marcara sua carreira até então.
A situação atingiu um estado crítico em 1973 e, temendo que Clapton morresse, um batalhão de amigos conseguiu que ele fizesse um programa de desintoxicação. Ao mesmo tempo, para animá-lo e trazê-lo de volta à ativa, Pete Townshend (do The Who), George Harrison e Steve Winwood organizaram um concerto no Rainbow Theatre para marcar a volta do deus da guitarra. O show seria lançado no disco Rainbow Concert, apesar de sua irregularidade.
Mas deu certo: Clapton fez um ousado tratamento com acupuntura e conseguiu voltar à ativa livre das drogas. Mas exagerando um pouco no álcool.
Solo:
No início de 1974, Clapton voltou aos EUA e se juntou a uma banda que havia sido montada por Carl Randle (The Tulsa Boys), gravando e lançando 461 Ocean Boulevard, álbum que fez grande sucesso com o hit I shot the sheriff, regravação do então desconhecido Bob Marley. O disco reúne algumas composições novas (Let it grow a melhor delas) e alguns covers e foi um grande sucesso de vendas, chegando ao n.º 1 das paradas dos EUA.
O sucesso não foi apenas profissional. Naquela mesma época, Patti Boyd se separou de George Harrison e, como era inevitável, terminou cruzando seu caminho de novo com Clapton. O casal finalmente ficou unido oficialmente e chegaram ao matrimônio em 1979. Por outro lado, Clapton e Harrison retomaram normalmente sua amizade e continuaram gravando um no disco do outro quase sempre.
Em 1975, conseguiu outro grande hit com sua versão de Kockin’ on heavens doors de Bob Dylan , mas não no álbum There’s One in Every Crowd, mas recuperou o sucesso com No Reason To Cry(1976) e mais ainda com Slowhand(1977), que emplacou três grandes hits: Cocaine, Wonderfull tonight e Lay down Sally.
Com o início dos anos 1980, a carreira do guitarrista decaiu um pouco, motivada pelos seus problemas com o álcool. Mas depois, apesar de uma grave crise matrimonial, enfrentou uma lufada de sucesso em discos produzidos pelo baterista, cantor e compositor Phil Collins (do Genesis), Behind the Sun (1985) e August (1986).
O caso extraconjugal com uma produtora de TV italiana gerou seu primeiro filho, chamado Connor Clapton, que nasceu em 1986. Foi a pá de cal para o casamento com Patti Boyd, mas gerou ânimo o suficiente para que Clapton se internasse em uma clínica de recuperação (pela enésima vez), mas dessa vez, realmente decidisse ficar sóbrio, seguindo a cartilha dos 12 passos e frequentando os Alcoólatras Anônimos.
O álbum Journeyman(1989) fez um sucesso maior ainda – com hits como Forever man, Pretending e Bad love – e seguiu uma grande turnê mundial, encerrando o ciclo de shows em 1991 com uma série de concertos no seu amado Royal Albert Hall, que seriam lançados mais tarde no disco ao vivo e vídeo 24 Nights.
Infelizmente, seu filho Connor morreu em um acidente ao cair da janela de um apartamento, no fim de 1991. Seu requiém, Tears in heaven, lançada no ano seguinte, foi um de seus maiores sucessos e uma das mais dolorosas canções dos últimos tempos. Mostrando uma força interior incomum, o deus da guitarra não recaiu em sua dependência, e lidou com a dor trabalhando: gravou um show MTV Unplugged,em 1992, que se transformou em um dos maiores fenômenos de vendas da década e um disco premiado, coroando a fase mais celebrada de sua carreira recente.
Na impossibilidade de assumir um compromisso como frontman em termos de turnê, Clapton endossou uma turnê de seu amigo George Harrison pelo Japão, na qual forneceu sua banda como apoio e tocando ao seu lado.
E o sucesso ainda não acabou, prosseguindo com From the Cradle (1994), Pilgrim (1998) e Reptile (2001). Depois de uma longa turnê mundial em 2001-2002, Clapton não conseguiu mais retomar o sucesso da década anterior, mas encontrou espaço para realizar projetos pessoais: trabalhou com músicos como o bluesman B.B. King e o guitarrista J.J. Cale; e retomou projetos antigos, como uma reunião especial do Cream em 2005, uma sequência de turnês anuais com Steve Winwood e concertos com Jeff Beck em 2010. Também gravou um álbum em homenagem ao seu ídolo Robert Johnson e organizou várias edições anuais do Crossroad Festival, dedicado a reunir grandes nomes do rock e do blues e arrecadar fundos para uma instituição para adictos que mantém.
Clapton anda há muito afastado das paradas de sucesso e fala seriamente em se despedir das grandes turnês, mas o “deus da guitarra” continua produzindo. Sua obra imortal do passado lhe garante um lugar inquestionável no panteão do rock e do blues. E da música em geral, como um dos maiores gênios da história recente.
Legião Urbana: Discografia Completa
Posted by hqrock - Irapuan Peixoto
Hoje, o cantor e compositor Renato Russo completaria 55 anos, caso não tivesse falecido em 1996 aos 36 anos. Lendário já em vida, o líder da Legião Urbana virou um ícone e ídolo após a morte, sendo ainda hoje um dos compositores mais importantes do Brasil. Sua influência na juventude ainda é considerável, o que não é pouco em tempos em que o rock nacional anda tão em baixa quanto nos anos 1970!
Assim, para celebrar a obra do maior ídolo do rock brasileiro e da banda mais importante e de maior sucesso da história de nosso país, o HQRock traz a discografia completa comentada da Legião Urbana!
Pegue seu violão, um livro de poesia, faça um lual na praia e cante esse hinos juvenis imortais.
Biografia
A Legião Urbana se formou em Brasília no início dos anos 1980, advindos da forte cena punk local. O vocalista Renato Russo foi o principal catalisador daquela cena que se formou numa região chamada de Colina, que terminou batizando o movimento que daria origem a várias bandas. Em 1978, Renato Russo fundou a banda Aborto Elétrico, a primeira e principal banda punk da Capital Federal. Russo saiu do grupo em 1979, mas a banda continuou na ativa, mudando o nome para Capital Inicial e se tornando também uma das principais dos anos 1980.
Após passar um tempo se apresentando sozinho como O Trovador Solitário, num repertório mais folk, Renato Russo fundou a Legião Urbana junto ao baterista Marcelo Bonfá em 1982, num núcleo de baixo e bateria. Após alguns outros guitarristas passarem pelo grupo, Dado Villa-Lobos entrou em 1984, criando o núcleo duro do conjunto. No mesmo ano, uma crise pessoal fez Renato Russo cortar os pulsos e ficar impossibilitado de tocar o baixo, de modo que Renato Rocha entrou para a banda para ocupar tal função.
O disco de estreia, com o quarteto, foi lançado em 1985 e levou o nome da banda, já fazendo sucesso. No ano seguinte, Dois se tornou um fenômeno de vendas, sendo até hoje um dos mais vendidos da história fonográfica brasileira. O sucesso prosseguiu com Que País é Este? (1987), mas Renato Rocha saiu da banda depois deste, tornando-a novamente um trio. Vieram em seguida As Quatro Estações (1989), o maior sucesso da banda; e então uma guinada na carreira, rumo a uma sonoridade menos enérgica e mais melancólica, que refletia a descoberta, por parte de Russo, de que era portador do vírus HIV, rendendo os álbuns V (1991), O Descobrimento do Brasil (1993) e A Tempestade (1996), este lançado concomitante à morte do artista.
A Discografia
LEGIÃO URBANA – 1985
A Legião Urbana estreou com um álbum homônimo que já fez sucesso no eixo Rio-São Paulo, mas que chegou um “pouco atrasado” na cena do BRock, que desde 1982 já vinha apresentando artistas de sucesso como Blitz, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Titãs etc. Até o Biquíni Cavadão já tinha lançado seu primeiro disco! Por outro lado, a Legião Urbana já era cultuada antes do disco por um pequeno mercado alternativo de shows e gravações demo em fita k7. E o Paralamas do Sucesso já havia gravado a canção Química, de autoria de Renato Russo. Também não custa lembrar que quando do lançamento do disco, Russo já compunha há sete anos e tinha um grande volume de composições que iriam preencher os primeiros discos da banda (e os do Capital Inicial, também…).
Legião Urbana, o disco, é ainda marcantemente influenciado pelo punk dos anos 1970, embora a cena pós-punk britânica – dos Smiths, particularmente – já possa ser sentida em algumas faixas. O disco abre com a quase balada Será, que foi um grande sucesso nas rádios. Outra quase balada também fez sucesso em seguida: Ainda é cedo, que leva coautoria dos outros membros da banda (Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Rocha), mais o ex-guitarrista Ico Ouro-Preto. Porém, o lado mais punk da banda também encontrou seu público com Geração Coca-Cola.
Ainda assim, o disco traz outras pérolas escondidas, como O reggae, Teorema e Baader-Meinhoff blues. O álbum é encerrado pela balada eletrônica Por enquanto, que passou despercebida há época, mas uma década depois se transformaria em um grande clássico da música brasileira na interpretação da cantora Cássia Eller.
DOIS – 1986
O segundo disco foi um sucesso ainda maior, mas já trazia uma banda menos punk e mais sintonizada com o pós-punk dos Smiths. Este disco foi um grande fenômeno de vendas na época, puxado por grandes clássicos, como Tempo perdido, Quase sem querer e Eduardo e Mônica, que foram lançadas em compactos e verdadeiros arrasa-quarteirões nas rádios. Também ganharam destaque Índios, Fábrica e Daniel na cova dos leões.
As canções deste álbum eram em grande parte mais novas do que as do anterior – carregado de heranças dos tempos do Aborto Elétrico – o que faz serem composições mais maduras, mais melancólicas e com letras muito melhores. Renato Russo já era um letrista de destaque no primeiro álbum, mas em Dois se transforma mesmo em um dos grandes poetas da música brasileira recente, ocupando um cenário até então “monopolizado” por Cazuza, que há essa altura, já havia saído do Barão Vermelho para a carreira solo.
Outro detalhe acerca das composições novas é a grande participação do baixista Renato Rocha nas coautorias, creditado em três canções: Daniel na cova dos leões, Quase sem querer e Acrilic on canvas.
Apesar de Legião Urbana ser um bom disco, Dois é efetivamente o primeiro grande clássico da Legião Urbana e um dos melhores álbuns da carreira da banda (e do rock nacional como um todo). Também traz a primeira canção-história de Renato Russo, aquelas com longas biografias cantadas em letras quilométricas, quase como um poema épico da contemporaneidade, como se vê em Eduardo e Mônica, a historinha de um casal totalmente oposto que dá certo. A canção é até hoje uma das mais queridas do público brasileiro.
O megaclássico Tempo perdido sintetiza em certo sentido a carreira de Renato Russo e é uma das principais canções do cancioneiro recente brasileiro. Sua frase máxima “somos tão jovens” não apenas virou hino, mas também batiza a referida cinebiografia do músico.
QUE PAÍS É ESTE? (1978-1987) – 1987
Com o grande sucesso da Legião Urbana, a agenda de shows da banda cresceu e ela teve que se mudar de Brasília para o Rio de Janeiro. Enquanto circulavam pelo Brasil, a gravadora EMI queira mais um álbum para aproveitar as vendas esmagadoras do disco anterior. Sem ter material novo para isso, o grupo decidiu gravar o repertório já existente, mas ainda não utilizado de canções que circulavam desde 1978. Muitas dessas canções ainda apareciam nos shows e eram conhecidas do público mais fiel. A banda decidiu assumir isso e transformou seu terceiro álbum em um tipo de fechamento de ciclo autorreconhecido. Tanto que o disco ganhou um subtítulo chamado 1978-1987 para enfatizar o sentido de “sobras“.
Assim, grande parte das faixas de Que país é este? são heranças do Aborto Elétrico, como a faixa-título, Conexão Amazônia, Tédio e Química. Outras, são da fase O Trovador Solitário de Renato Russo, quando se apresentava apenas com voz e violão nos bares de Brasília, antes da fundação da Legião Urbana, como Eu sei e Faroeste Caboclo. Esta última é mais uma das canções-histórias do autor: são nove minutos e 129 versos da épica história de João de Santo Cristo, um baiano que vai tentar a vida em Brasília e termina se envolvendo com o mundo do crime.
Faroeste caboclo, claro, virou um grande clássico da música brasileira e é outra das mais queridas do público até hoje. Ela também causou uma grande sensação, porque obrigava as rádios a tocar seus quase 9 minutos várias vezes ao dia. E aqueles que a ouviram nas rádios no fim dos anos 1980 devem lembrar da versão censurada da canção, que trocava alguns dos palavrões originais por palavras mais brandas. (A Ditadura Militar já tinha acabado, mas a censura, não). De qualquer modo, a letra original continuou no disco e é a que toca até hoje. E não custa lembrar: em 2013 chegou aos cinemas uma adaptação cinematográfica da canção, que fez bastante sucesso.
Que País é Este?, o disco, fez um grande sucesso, mas deixou um gosto amargo por se tratar de material reciclado. Apenas duas canções eram novas: a balada Angra dos Reis e a punk Mais do mesmo. De qualquer modo, foi outro fenômeno e sua faixa-título virou outro hino da juventude e da crítica política brasileira. Anos mais tarde, o Paralamas do Sucesso regravaria a faixa, incorporando-a definitivamente ao seu repertório.
Este também é o último álbum gravado com a participação do baixista Renato Rocha, que teria uma biografia trágica daqui em diante (saiba mais aqui).
AS QUATRO ESTAÇÕES – 1989
Mais marcante do que a saída de Renato Rocha da banda no início das gravações deste álbum, foi a confusão gerada após o concerto da banda no Estádio Mané Garrincha em Brasília. O reencontro da banda com seu primeiro público não foi tranquilo, resultando em uma confusão generalizada, que rendeu prisões e feridos. Renato Russo já vinha manifestando, desde o início do sucesso da Legião Urbana, certa fobia de palco e ela se generalizou após esse evento. Assim, a banda deixou os concertos por um tempo e se trancou nos estúdios para gravar aquela que muitos consideram a sua maior obra-prima, o álbum As Quatro Estações.
Enquanto Que País é Este? é mais parecido com Legião Urbana, As Quatro Estações é uma progressão natural de Dois, retomando não apenas a verve mais lírica de Renato Russo, como a sonoridade mais indie e melancólica daquele. O resultado é um disco de rock pungente com letras fortes (e belíssimas) e um sucesso de vendas sem igual. Até hoje, o álbum permanece como um dos discos de maior sucesso de vendas da fonografia brasileira.
A sucessão de sucessos radiofônicos toma quase o álbum inteiro: Há tempos, Pais e filhos, Quando o sol bater na janela do teu quarto, Monte Castelo e Meninos e meninas. Além disso, há outras peças, menos populares, mas igualmente notáveis, como Feedback song for a dying friend, 1965 (Duas tribos), Maurício e Se fiquei esperando meu amor passar.
Há tempos traz a crítica social relacionada à dor interna e ao sofrimento; Pais e filhos se tornou uma das canções mais populares da banda, discutindo as relações familiares, mas também trazendo o hino máximo “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” até hoje cantado a plenos pulmões pelo público; Monte castelo traz uma letra belíssima misturando trechos da Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios com um soneto de Luis Vaz de Camões; em Meninos e meninas (uma “irmã” sonora de Quase sem querer) Renato Russo assume sua bissexualidade para quem quer ouvir; Maurício retoma o mesmo tema; e Feedback song for a dying friend traz uma singela homenagem ao amigo Cazuza, que realmente morria de AIDS na época e faleceria pouco tempo depois do lançamento do disco.
Apesar de ser cantada em inglês – língua na qual Renato Russo era fluente, por ter morado nos Estados Unidos quando criança e por ter sido professor de inglês antes da fama – Feedback song… tem uma tradução escrita no encarte do disco, adaptação de Millor Fernandes.
Assim, As Quatro Estações é um marco não só na carreira da Legião Urbana, mas da música brasileira. E seu legado permanece por meio de suas canções. A gravadora EMI até lançou uma versão ao vivo do disco, em 2004, chamado As Quatro Estações Ao Vivo. Por fim, uma curiosidade: a banda Barão Vermelho gravou uma versão de Quando o sol bater na janela do teu quarto e a incorporou definitivamente ao seu repertório.
V – 1991
O quinto álbum é o mais estranho e diferente entre todos os álbuns da banda. Se o público da época esperava que a Legião Urbana iria deitar e rolar em cima do supersucesso de As Quatro Estações e manter a pegada, deve ter ficado chocado. V é um disco duro, difícil e arrastado; marcado por faixas de estrutura não usual e letras enigmáticas, falando quase sempre de situações dramáticas e melancólicas. Na verdade, tudo refletia a descoberta de Renato Russo de que era portador do vírus HIV, fato que ficou em segredo nos cinco anos seguintes.
Apesar de ter rendido três hits – Vento no litoral (mais tarde gravada também pela Cássia Eller), O mundo anda tão complicado (a faixa mais leve do disco) e O teatro dos vampiros – o disco não fez tanto sucesso quando do lançamento. O maior destaque é Metal contra as nuvens, um épico de mais de 11 minutos de duração, marcado por longas passagens instrumentais e várias mudanças de andamento e de arranjo. Para completar o “clima” estranho, o disco abre com uma canção medieval do século XV e possui duas faixas instrumentais. Talvez por isso e pelo grande uso de violões, de fato V tem uma “aparência” medieval mesmo…
Por tudo isso, V é um daqueles discos “ame-o ou deixe-o”. Mas é uma peça singular na carreira do grupo, marcando a passagem para uma outra fase, em que a melancolia se sobrepõe a qualquer ardor punk que ainda pudesse existir entre seus membros. Nessa nova fase, também haveria maior participação de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá como coautores das canções, o que rendeu um estilo distinto de melodia, às vezes forçadas a abrigar as letras cada vez menos estruturadas de Renato Russo, conferindo aquele ar desigual das melodias da Legião da última fase, remetendo diretamente ao estilo trovador de Bob Dylan (e do próprio Russo em sua encarnação anterior).
Por fim, uma curiosidade: em vez do baixo ser tocado por membros da banda – como no anterior e em todos os posteriores, dessa vez, é um músico contratado quem o faz: Bruno Araújo.
MÚSICA PARA ACAMPAMENTOS (ao vivo) – 1992
Apesar de lançado após V, Música para Acampamentos na verdade se encaixa muito mais na segunda curta fase da Legião Urbana, fazendo par com As Quatro Estações. Isso porque esta primeira copilação ao vivo do grupo enfatiza muito mais os grandes sucessos da banda, embora traga algumas surpresas, quase sempre por meio de músicas incidentais (ou seja, a banda incluindo canções conhecidas, como Stand by me e Gimme shelter, em meio aos seus sucessos). Mas também há uma canção inédita: Canção do senhor da guerra, na verdade uma demo na qual Renato Russo toca todos os instrumentos (voz, guitarra e teclado, junto a uma bateria eletrônica), que “vazou” para uma rádio da época. Clássico instantâneo.
Embora com certa dose de oportunismo, era uma maneira da Legião dar um “cala boca” à gravadora EMI, que há anos fazia pressão para uma coletânea dos hits do grupo. Este álbum cumpriu mais ou menos esse papel, trazendo material de shows diversos (alguns inclusive com Renato Rocha ainda no baixo) e material do especial de TV Acústico MTV, gravado naquele mesmo ano e que muito mais tarde seria lançado na íntegra em vídeo e disco. Também era uma maneira de recompensar a gravadora pelas baixas vendas de V.
O DESCOBRIMENTO DO BRASIL – 1993
Agora sim, a terceira fase da Legião Urbana ganha sequência com este álbum, prosseguindo um pouco no estilo de V, mas de modo um pouco mais tradicional. Agora, os anos 1980 pareciam bem distantes e o cenário musical brasileiro era outro totalmente diferente. E a Legião garantia seu espaço e relevância em um disco que fez bastante sucesso e rendeu vários hits: 29, Perfeição, Giz, Love in afternoon. Mantendo as grandes colaborações com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá (agora com todos tocando vários instrumentos), as canções mantêm as melodias irregulares que marcam essa fase, mas a abordagem geral é bem mais convencional do que no álbum de estúdio anterior, dando-lhe até certo frescor pop.
Por muito pouco, O Descobrimento do Brasil não foi uma despedida, pois na turnê subsequente, uma grave crise se abateu sobre a banda, resultando que os shows foram interrompidos em 1994 e a banda entrou em estado de espera. Para piorar, Renato Russo gravou dois álbuns solo – The Stonewall Celebration Concert, de 1994 (apenas com covers em inglês) e Equilíbrio Distante, de 1995 (apenas com covers em italiano) – que aumentaram os rumores do fim da banda. Mesmo que todos negassem em entrevistas.
A TEMPESTADE – 1996
Na verdade, A Tempestade (ou O Livro dos Dias) é um ato de desespero. Em termos de conteúdo e de biografia. A saúde de Renato Russo se deteriorou por completo em 1995, devido à ação do vírus HIV, e o compositor começou a perceber que iria morrer em breve. De verdade.
Assim, começou a escrever letras furiosamente e repassá-las para Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá musicá-las para gravarem um disco antes que fosse tarde demais. Russo sabia o que estava fazendo, vira o amigo Cazuza fazer o mesmo seis anos antes. Assim, não houve ensaios. Após as canções ficarem pelo menos estruturadas, o compositor foi ao estúdio e gravou suas vozes primeiro, em estilo demo, para garantir que, na pior das hipóteses, pelo menos os outros poderiam trabalhar os arranjos em cima da voz já pronta. E isso seria feito. Russo ainda tocou um pouco em algumas faixas (violão, baixo, teclado), mas logo, não tinha mais condições para isso.
Para suprir sua ausência no estúdio, Villa-Lobos e Bonfá novamente gravaram vários instrumentos cada um – como no álbum anterior – e convidaram o tecladista e produtor Carlos Trilha (que acompanhara a Legião em turnê em 1993-1994, além de ter sido o grande maestro em torno dos álbuns solo do vocalista) para dar uma força nos arranjos.
O trio gravava as faixas e mostrava para Renato Russo, a essa altura, já convalescente em uma cama.
Como não podia deixar de ser, o conteúdo de A Tempestade é turbulento. Não em som – pois segue a tendência um pouco mais pop do anterior – mas nas letras, que são as mais tristes e pessimistas da carreira do compositor famoso pela melancolia. Isso torna o álbum muito tocante, especialmente àqueles que gostam de verdade de Renato Russo.
O disco não rendeu hits propriamente ditos, apesar de A Via-Láctea, L’avventura e 1º de julho terem tocado bastante nas rádios, inclusive, com a última já tendo sido um sucesso na voz de Cássia Eller ainda antes do lançamento do álbum. Mas há várias outras pérolas, como Canção de trabalho, Longe demais do meu lado, Aloha, Dezesseis e Esperando por mim.
A Tempestade ou o Livro dos Dias foi lançado, em sua primeira edição, em um formato de livro, sem a caixa acrílica do CD e com o próprio encarte de papelão servindo de embalagem. Em vez da frase Urbana Legio Omnia Vincit (A Legião Urbana a Tudo Vence, em latim) presente em todos os discos, há no encarte uma frase de Oswald de Andrade: “O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”.
Obviamente, é muito difícil analisar a recepção do álbum, tendo em vista que Renato Russo faleceu duas semanas depois do lançamento, causando uma comoção nacional que poucas vezes se viu.
UMA OUTRA ESTAÇÃO – 1997
Apesar do título péssimo (e algo oportunista), Uma Outra Estação é um trabalho já esperado. Em entrevistas da época do lançamento de A Tempestade, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá já informavam que o grupo tinha material para lançar um álbum-duplo, mas decidiu fazer um álbum simples naquela vez. Sobrava a outra metade, então.
Passado um tempo, a dupla voltou ao estúdio, então, para terminar as faixas inacabadas deixadas já registradas por Renato Russo em voz. Contudo, apesar das promessas, não havia mesmo material suficiente para encher um disco, sendo preciso resgatar canções da época do Aborto Elétrico (Dado viciado) e do Trovador Solitário (Marcianos invadem a Terra e Marianne). Há uma faixa instrumental preenchida com trechos de uma entrevista da banda nos anos 1980 (Riding song), uma sonata de Schubert (Schubert Landler) e uma faixa (Sagrado Coração) ficou sem a voz de Renato Russo, mas Bonfá e Villa-Lobos a mantiveram mesmo assim, como um instrumental.
Infelizmente, a banda gravara as melhores canções em A Tempestade e Uma Outra Estação é aquilo mesmo que parece: uma coleção de Lados B, que pode até interessar o fã mais dedicado, mas não gera grande impressão ao ouvinte médio. Os únicos destaques de verdade são Flores do mal e Depois das seis, que virou o único hit do disco.
Além da banda, participa novamente Carlos Trilha nos teclados, mais vários convidados especiais, inclusive, Renato Rocha e Bi Ribeiro (do Paralamas do Sucesso), ambos no baixo em faixas diferentes.
Outros discos póstumos:
MAIS DO MESMO (coletânea) – 1998
Após a morte de Renato Russo, a EMI percebeu que a Legião Urbana não tinha nenhuma coletânea em seu catálogo. Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá foram contra o projeto, mas terminaram cedendo e escolhendo as faixas do álbum, sob a condição de que Mais do Mesmo ficasse apenas um ano em catálogo. A gravadora aceitou e o disco foi um grande sucesso. Obviamente, a EMI descumpriu o acordo e manteve a coletânea em catálogo. O disco traz as 16 mais famosas faixas de cada um dos oito álbuns de estúdio da banda.
ACÚSTICO MTV (ao vivo) – 1999
Em 1991, a MTV abriu uma filial no Brasil e também importou parte da programação de sua matriz. Já naquela época, uma das cerejas do bolo era o programa Unplugged, que gerou clássicos acústicos em vídeo e áudio por artistas como Paul McCartney, Eric Clapton, Bob Dylan e Nirvana. A MTV Brasil, então, criou o Acústico, que também teria programas célebres, como de Gilberto Gil e Cássia Eller. O primeiro de todos foi da banda Barão Vermelho, mas coube à Legião Urbana o segundo Acústico MTV, gravado em janeiro de 1992.
O grupo tinha acabado de lançar o álbum V e pensou que seria uma maneira interessante de divulgar o disco, em vez de fazer um vídeoclipe. O programa foi exibido com sucesso, mas a Legião se negou, na época, a transformá-lo em um disco ao vivo. Em vez disso, parte do material foi adicionado a outras peças ao vivo em Música Para Acampamento, lançado em 1992.
Após a morte de Renato Russo, a gravadora EMI e a família do compositor insistiram no lançamento integral do material, o que foi feito. Pela primeira vez, todas as canções gravadas foram lançadas, tanto na versão em vídeo como no “inédito” disco. A grande surpresa – e maior sucesso do álbum – foi a balada pop Hoje a noite não tem luar, uma versão em português de Hoy me voy para México, canção da boyband portoriquenha Menudo, dos anos 1980, que revelou o cantor Ricky Martin. Renato Russo tocou (sozinho) a faixa durante um intervalo das filmagens, pensando que não estava sendo gravado.
No restante, a apresentação traz algumas canções dos álbuns – Baader-Meinhoff blues, Índios, Mais do mesmo, Pais e filhos; algumas canções de V (Sereníssima, Teatro dos vampiros e Metal contra as nuvens) e canções internacionais das quais a banda gostava, como On the way home (do canção de Neil Young gravada pelo Buffalo Springfield), Rise (do PIL), Hold on (do Jesus and Mary Chains).
COMO É QUE SE DIZ EU TE AMO? (vol 1 e 2) (ao vivo) – 2001
Outro álbum ao vivo, agora trazendo o melhor de duas apresentações realizadas no antigo Metropolitan, em São Paulo, em outubro de 1994, na última turnê que a Legião Urbana realizou. No fim das contas, apesar da repetição, termina sendo melhor do que Música para Acampamentos e Acústico porque se tratar de um show de verdade, com a cadência e o repertório típicos de uma apresentação integral da banda. Por ter sido realizado já na fase final da banda, o repertório também é mais amplo, envolvendo canções de todos os álbuns até O Descobrimento do Brasil, passando desde sucessos óbvios (Será, Meninos e Meninas, Pais e filhos) até canções mais obscuras (La nuova guventú, Os anjos, Andrea Doria).
Lançado em dois volumes (dois CDs separados com metade do show cada) e uma capa simples com o ingresso do show, Como é Que Se Diz Eu Te Amo acaba sendo a melhor compilação da Legião Urbana ao vivo, com direito a tudo o que os shows tinham, inclusive, discursos de Renato Russo e covers de artistas como Rolling Stones e Caetano Veloso. Além de Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, há uma banda de apoio formada por Gian Fabra no baixo, Fred Nascimento na guitarra e violão auxiliares e Carlos Trilha nos teclados.
AS QUATRO ESTAÇÕES AO VIVO (ao vivo) – 2004
Com o fundo do tacho já sendo raspado, a EMI começa a se repetir para garantir que material inédito da Legião Urbana chegue às lojas, o que causou uma briga entre os herdeiros de Renato Russo e os remanescentes Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá.
De qualquer modo, chegou às lojas As Quatro Estações Ao Vivo, trazendo, como promete, uma versão ao vivo de seu álbum mais famoso. Montado a partir de dois shows no Estádio Palestra Itália, em São Paulo, em 1990, em meio à turnê de divulgação de As Quatro Estações. Por isso mesmo, quase a totalidade deste disco é executada ao vivo, juntamente às faixas dos discos anteriores. Parte do material já tinha sido lançado, contudo, em Música Para Acampamentos.
O trio da Legião é acompanhado, dessa vez, por Bruno Araújo no baixo, Fred Nascimento no violão e Mú Carvalho nos teclados.
PERFIL (coletânea) – 2011
Com a família de Renato Russo assumindo o controle dos negócios da Legião Urbana, é feito um acordo com a gravadora Som Livre, que edita esta nova coletânea dentro da série Perfil, que engloba vários outros artistas brasileiros. O repertório é muito similar ao de Mais do Mesmo, só que com ainda menos faixas (apenas 14) e sem ser em ordem cronológica.